Pontos de Cultura e articulação social: estratégias para um Novo Mundo

Em 27 de janeiro, terceiro dia do 10° Fórum Social Mundial (FSM), os Pontos de Cultura e a articulação entre os povos da América Latina ganharam espaço na diversificada programação programada para o Fórum.

Sugerida e organizada pelo Pontão CUCA (Centro Universitário Cultura e Arte), da União Nacional dos Estudantes (UNE), e mediada pelo estudante Felipe Redó, a discussão foi rica em declarações que enalteciam a importância dos Pontos de Cultura no processo de mudanças políticas, sociais e culturais desejadas pela sociedade e evidenciadas durante o FSM.

Na mesa, os debatedores Célio Turino (Secretário de Cultura e Cidadania do MinC), Maria Benites (Comissão Internacional de Cultura, coordenadora do programa acadêmico na Universidade de Siegen (Alemanha) e Presidente do Instituto Vygotskij), Jéferson Assunção (Secretário de Cultura de Canoas),  Eduardo Balan (Articulação Latino Americana de Cultura e Política) e Jussara Cony (GHC – Grupo Hospitalar Conceição), se revezaram em  declarações que a todo momento colocavam em foco as propostas essenciais do FSM: a diversidade, o respeito ao sujeito como protagonista e a necessidade de unidade para que um novo mundo seja possível.

Ao abrir o debate, Felipe destacou que a intenção do CUCA ao promover o encontro reforça a certeza do Pontão sobre a necessidade de se buscar a articulação entre os movimentos sociais, sejam eles brasileiros ou não. Mais que simplesmente discutir o tema em encontros programados especificamente para esse fim, Redó destaca que cabe a cada movimento posicionar-se para ocupar um espaço que existe e que deve ser conquistado. “Se por um lado o Estado nos dá autonomia, por outro cabe a nós buscar o protagonismo nesse processo”, conclui.

“ÁREAS LIBERTAS”

Célio Turino concentrou sua fala no tripé sobre o qual todos os Pontos de Cultura devem sustentar suas ações: autonomia, protagonismo e empoderamento.

Ele discordou parcialmente da colocação feita por Felipe, explicando que mesmo que o Estado dê autonomia à sociedade, ela precisa conquistá-la, e que esse é um caminho demorado e, às vezes, doloroso. Com certeza é preciso que os movimentos sociais tenham autonomia, mas segundo afirma, o mais importante é que a queiram e saibam fazer uso dessa conquista.

O protagonismo, segundo Turino, trata-se da disposição em falar na primeira pessoa, marcando posições e demonstrando sua própria visão de mundo. Da mesma forma que a autonomia, também não se trata de uma caminhada fácil, tanto que o grande objeto de dominação da sociedade é, de acordo com o Secretário de Cultura e Cidadania do MinC, o impedimento ao protagonismo dos sujeitos e, consequentemente, dos movimentos sociais.

Já o empoderamento seria, a princípio, a transferência de poder do governo para as comunidades, mas no sentido “abrasileirado” da expressão passou a significar o caráter de transformação que cada pessoa pode ter. “É nesse veio que está acontecendo a grande revolução brasileira. Os Pontos de Cultura são, de certa forma, áreas libertas, e têm sentido como a continuidade da expectativa de um novo mundo possível; os Pontos têm a oportunidade e a capacidade de agir e transformar, tornando públicas suas narrativas das realidades locais”, coloca, para complementar que no processo da construção dessas narrativas cada um busca seu veículo, que tanto pode ser uma caneta quanto uma câmera de vídeo. Qualquer instrumento, nas palavras de Turino, pode ser utilizado para transcrever essa interpretação de mundo.

Ao concluir suas colocações, Célio Turino foi contundente: “A morte de um ponto de Cultura é ele se submeter ao governo”, finalizou.

DESENVOLVIMENTO
E HUMANIZAÇÃO

Em sintonia com o espírito das propostas lançadas já nas primeiras edições do Fórum Social Mundial, as ações praticadas pelos movimentos sociais buscam aliar desenvolvimento e humanização. É dessa forma que Jussara Cony, Superintendente do GHC, define o projeto de ação do grupo, que reúne quatro hospitais, 12 postos de saúde e agrega, aproximadamente, 7000 funcionários. Em sua estrutura o GHC agrega 18 pontos de cultura, sendo 16 externos e 2 internos. São, segundo Jussara, espaços de inclusão social que alcançam não só os funcionários, mas as comunidades nas quais o grupo está inserido.“Esse é o nosso projeto: saúde e cultura juntas, como estratégias para a construção desse mundo novo”, explica Jussara.

Desde a garantia de atendimento totalmente direcionado ao Sistema Único de Saúde (SUS), até a ida de médicos brasileiros para atendimento a vítimas do Haiti, o que impulsiona as ações do GHC é essa preocupação com a pessoa. “Fico feliz que estejamos vivendo esse momento de efervescência pela retomada histórica do protagonismo. E estamos fazendo tudo isso dentro do capitalismo, o que seria muito difícil de se acreditar lá na primeira edição do Fórum”, comemora, explicando que quando o GHS luta pela humanização do SUS e pela criação de pontos de cultura, é porque entende que a sociedade precisa dessa proposta humana em contraponto ao desumano do capitalismo.

SEMENTES DE UMA
NOVA SOCIEDADE

Representantes não brasileiros na mesa do debate, Eduardo Balan e Maria Benites reforçaram a idéia de que os Pontos de Cultura são um diferencial na construção de políticas públicas pensadas a partir da ligação entre cultura, comunicação e educação.

Entusiastas assumidos do modelo desenvolvido pelo Programa Cultura Viva, tanto Eduardo quanto Maria Benites acreditam que através do diálogo entre governo e sociedade é possível que se desenvolva uma mudança na realidade política e social, principalmente nos países da América Latina.

“Sempre acreditei que se algo parecido com a Revolução Francesa fosse acontecer novamente, esse movimento nasceria no Brasil. A palavra revolução pode e deve ser entendida como um passo para se re-evoluir, e nesse sentido, não tenho dúvidas de que os Pontos de Cultura são verdadeiros “ovos de Colombo” para a verdadeira re-evolução social e cultural”, defende Benites.

Eduardo Balan expõe opinião semelhante. Para ele, os Pontos de Cultura representam a ferramenta mais avançada entre o público, o estatal e o comunitário. “São pequenas sementes de um estado novo e de uma nova forma de estado, que brotam em toda a América Latina”, explica.

RESPEITO
ÀS DIFERENÇAS

A nova realidade vislumbrada a partir do real entendimento entre governos e sociedade é a saída para que se evite uma cultura hegemônica, que revela e estimula a superioridade de um povo sobre o outro. Essa é, com certeza, a opinião recorrente entre todos os que participaram do debate  no dia 27.

O FSM e seus espaços de discussão buscam mostrar que a cultura tende a reunir os povos em vez de separá-los, e que existe espaço para as diferenças e especificidades que se desenvolvem.

“Temos que nos ver como novos Galileus, que acreditam na existência de uma outra verdade e que não se acham o centro do Universo. É um privilégio viver nesta época, mas também uma grande responsabilidade”, finaliza Maria Benites.