Hip Hop, política e arte

Entrevista com o ativista e grafiteiro NegoWalty no Acampamento da Juventude do Fórum Social Temático 2014

Porto Alegre, 40 graus. Parque da Harmonia.

Centenas de barracas com jovens de diferentes origens e nacionalidades reunidos no Acampamento da Juventude do Fórum Social Temático.

Em uma das tendas armadas para os encontros, o DJ toca bases de rap enquanto duplas protagonizam a Batalha de MCs.

Uma disputa que vence quem conseguir rimar melhor de improviso.

Mauri Cruz, um dos coordenadores do FST, falou sobre a importância de reunir as lideranças dos chamados “novos movimentos sociais”, dos quais o Hip Hop faz parte ao abrir um canal de comunicação dos jovens com o poder público e a sociedade.

“Nós conseguimos que alguns sujeitos estivessem aqui no Fórum, na Tenda Hip Hop no Acampamento da Juventude e no Conexões Globais. Começamos a abrir um diálogo, porque esses segmentos não têm representações institucionalizadas e estão fazendo seu trabalho nas ruas, porém, achamos fundamental unir essas pessoas para debater e traçar uma estratégia comum.”

Foi nesse clima que encontramos o NegoWalty, alcunha de Valter Oracildo Cardoso.

Valter tem 39 anos e há 13 ficou paraplégico, após levar um tiro.

Ganesha/Ciranda – Como foi a tua entrada no movimento Hip Hop?

NegoWalty – Estou no movimento Hip Hop organizado desde que fiquei na cadeira de rodas. Antes a gente só curtia a cultura, mas não cultuava ela. Mudei a minha atitude depois que levei o tiro e fiquei com a lesão que me deixou até hoje na cadeira de rodas. Esse momento me trouxe muitas dificuldades mas também muita reflexão sobre a vida. Tive uma infância em que eu deixei de lado toda uma política estudantil que eu fazia parte devido a decepções.

Decepções qualquer um pode ter na vida, né?

Fui criado por um soldado da Brigada Militar. Tive uma educação preparada, mas não tinha o pai e a mãe em casa, então passava muito tempo na rua. E na época a gente curtia o Hip Hop. Nós até pichava (sic) as paredes mas não tínhamos a noção do que era a cultura em si, do que ela pregava. Devido até a falta de informações que tínhamos sobre ela aqui no Rio Grande do Sul. Então, quando eu sofri a lesão, que eu conheci a cultura Hip Hop de verdade com a ajuda da internet, resolvi levá-la como uma mudança de vida para mim, particularmente.

Na hora do tiro eu gritei o nome do velho lá de cima. Se Ele me deu a chance de permanecer vivo depois disso, eu precisava valorizar o dom que Ele tinha me dado. O dom era o graffiti.

Virei ativista dentro da minha comunidade, me aventurei como MC, hoje eu faço algumas músicas. Isso mudou a minha vida, deu um sentido a ela. Estou conseguindo mudar a vida de algumas pessoas, principalmente de jovens que estão em situação de vulnerabilidade social, sem trabalho. Trabalho informalmente e com algumas parcerias. Ganho material de graffiti e levo para a gurizada na praça. Devido a experiências com projetos, notei que há certa dificuldade para levar os projetos à comunidade. Muitas vezes há tantos interesses envolvidos que os que realmente precisam não são contemplados. Nossa maior força então é a nossa vontade, hoje nós temos o Hip Hop como um partido, como nossa forma de viver, entendeu?

Ganesha/Ciranda – Mas vocês tem um coletivo, uma ONG ou alguma organização formalizada?

NegoWalty – Eu, particularmente, atuo junto a Parrhesia, que é uma rádio web, e a Nação Hip Hop Brasil. A organização que temos é a Associação São Leopoldense de Hip Hop – AHSL, com a qual conseguimos instituir a Semana do Hip Hop de São Leopoldo.

Nós temos também um coletivo que é a OKT, o significado da sigla é o “O Klã Tiakuza”.

Foi a forma encontrada para nos manifestarmos lá na nossa cidade, para fazermos reivindicações ao poder público. É uma afronta para eles.

Neste tempo, envolvidos, nós que produzimos oficinas e eventos com a temática Hip Hop, aprendemos juntos como funcionam as formalidades, encaminhamentos, para podermos buscar este recurso e levar para dentro da periferia.

Porque hoje a gente está fazendo muita coisa informalmente para chegar até eles.

No momento que chega um projeto interessante, a gente pode ir discutindo, construindo em parcerias com organizações, prefeituras, municípios e até com a iniciativa privada.

Estamos difundindo as oficinas através de alguns projetos que já existem, como o Mais Educação, programa do Governo Federal que visa a implantação da educação integral nas escolas públicas do país.

Ganesha/Ciranda – Como vocês conseguiram criar a Semana Hip Hop no município de São Leopoldo? Desde quando ela existe?

NegoWalty – Pensávamos nisso desde a participação que eu tive há uns anos atrás no 3º Encontro nacional da Nação Hip Hop Brasil, em Sao Vicente (SP).

Lá a gente aprendeu como funcionavam os encaminhamentos para esta lei. Chegando na cidade começamos a trabalhar na realização do sonho. Com essa organização que está há mais de dez anos na ativa, e hoje se denomina AHSL, realizamos a primeira Semana Hip Hop de São Leopoldo em 2013.

Já batemos o martelo em 15 mil reais que a prefeitura disse que vai repassar para apoiar a realização. Ainda este ano vamos encaminhar uma emenda para conseguir mais recursos.

P.S.

No Rio Grande do Sul, a Semana Estadual do Hip Hop foi instituída e publicada no Diário Oficial em 1º de outubro de 2008, porém ainda não foi regulamentada. Clique aqui para acessar o documento