Hackers e Crackers: Debates no FISL12 expõem diferenças entre comunidades

Depois das recentes (e frequentes) ações que deixaram vários sites (inclusive do governo federal) fora do ar, uma expressão passou a fazer parte do dia-a-dia das pessoas: ataque de hackers.

Muito embora a grande maioria dos indivíduos não saiba exatamente o que é um hacker, medo e desconfiança foram os sentimentos que tomaram conta do público, estimulados em grande parte pelas matérias veiculadas pela imprensa comercial. Exageradas? Sensacionalistas? Parciais?

Durante a 12 ª edição do Fórum Internacional do Software Livre (FISL12), que aconteceu em Porto Alegre de 29 de junho a 2 de julho, esse foi um assunto recorrente em várias mesas e rodas de discussão, sempre tendo como pano de fundo o Marco Civil da Internet e a votação do Projeto de Lei 84/99, conhecido como o AI-5 Digital, que deve acontecer nos próximos dias.

Sérgio Amadeu da Silveira, militante do movimento Software Livre e defensor da inclusão digital no Brasil, participou de várias discussões e não perdeu uma só oportunidade para falar a respeito do assunto, aproveitando sempre para desmistificar os tais “ataques”, que tanto espaço ganharam na mídia.

“Os ataques que aconteceram no Brasil são ataques pífios, a partir de softwares já conhecidos na rede, que desabilitaram alguns sites do governo. Todos tinham falhas de segurança homéricas, e só por isso caíram. No site da Receita Federal, por exemplo, não fizeram nem cócegas”, afirmou Amadeu.

Sociólogo e Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, Sérgio Amadeu passeia com total desenvoltura sobre conceitos teóricos, utilizando, contudo, um vocabulário simples para explicar o que precisa ser explicado. E essa proposta parece ter “contaminado” inclusive o Ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, que esteve no FISL e disparou: “Hackers são grafiteiros, e crackers são pichadores. Não vamos confundir um com outro!”.

A comparação faz sentido, e de acordo com Sérgio Amadeu basta prestar atenção no comportamento de cada comunidade para entender sua lógica: “Repare: o cracker destrói; o hacker constrói”, afirmou.

O termo hacker, na verdade, deriva da palavra “hack”, que significa cortar com precisão. Os “hackers” são membros de uma comunidade que surgiu nos anos 60, com forte influência na contracultura norte-americana, e desde o princípio esta metáfora era utilizada para designar os desenvolvedores de códigos, que resolviam de maneira precisa e criativa problemas lógicos e matemáticos. “Era um grupo de pessoas, que acreditava que a liberdade era fundamental, que as pessoas devem fazer o que elas acham que é bom, que devem superar desafios o tempo todo, estar dispostas a aprender. Quando superam o desafio, compartilham o resultado com a sua comunidade”, explicou Sérgio Amadeu, acrescentando que essa forma de agir estimulou a construção de uma “ética”, que guia a relação entre todos os que participam da comunidade.

Trata-se, portanto, de um comportamento que segue a lógica da internet: uma rede sem dono e sem locais obrigatórios de acesso, que tende a ser universal sem ser totalitária, que cria e compartilha, que descobre e disponibiliza. Tanto que, de acordo com Sérgio Amadeu, os hackers estão no coração do movimento do software livre.

E é essa prática de criar e compartilhar conteúdo e tecnologia na rede que tanto incomoda a indústria do copyright e as operadoras de telefonia, que de acordo com Amadeu se beneficiariam com o controle da rede. Ele defende que para eliminar esse grau de liberdade é necessário que se promova um ataque aos hackers, e para isso, confundem hacker – que é essa cultura de compartilhamento de descobertas e avanços – com a cultura da invasão, relacionada aos “crackers”. “Esses moleques do LulzSec, que assumiram os ataques às páginas do governo, não são hackers. Eles usam programas criados por outras pessoas e não sabem programar. São, na verdade, usuários avançados de software”, justifica.

Segundo explica, todo esse processo de divulgação dos ataques aos sites governamentais tem como objetivo alavancar uma proposta de aprovação da lei que pretende deter e, mais que isso, punir os chamados “crimes da internet”, antes mesmo que se discuta direitos e deveres de usuários na rede, ou seja, o Marco Civil da Internet.

“Trata-se de uma armação de quinta categoria. Claro que é importante que se crie uma lei de crimes na rede, mas é necessário que seja muito precisa, para não cometer injustiças e arbitrariedades, e não ser usada de maneira indevida”, explica Amadeu, para quem isso só será possível depois de se discutir os direitos de cada um na rede.

Discordando de algumas teorias que circularam pelas listas de discussão, insinuando que todas as invasões que ocorreram seriam, na verdade, uma auto-sabotagem do governo para acelerar um processo de reforma e controle na internet, Amadeu acredita que a relação entre os fatos existe, com certeza, mas não se trata de auto-ataque.

Para ele, seria muita coincidência, justamente uma semana após uma convenção onde o presidente da Febraban clamou por uma lei dura contra os crimes na internet, começarem os ataques. “Logo depois, a revista Época, publicou, equivocadamente, uma manchete: “Os maiores ataques que já ocorreram” – o que não é verdade. E foi uma matéria sensacionalista. Ninguém do ‘outro lado’ foi ouvido, e na sequência desta matéria começaram a pipocar publicações em outros jornais. Foi assim que se criou essa confusão toda, e uma das poucas vozes sensatas no meio de todo esse tumulto foi, justamente a do Ministro de Ciência e Tecnologia, que se manteve tranquilo e chamou atenção para a diferença entre hackers e crackers”, concluiu Sérgio Amadeu. Para ele, o governo não promoveu os ataques, mas a imprensa comercial aproveitou-se deles.