Enquanto os debates presenciais aconteciam na Campus Party, em paralelo à apresentação de cases de sucesso empresariais as redes também comentavam os mesmos assuntos no ambiente virtual, cruzando declarações e notícias do evento com outras ações pelo globo.
“O capitalismo continua o mesmo, articulando o lucro através da exploração da força de trabalho industrial, ou está tentando se articular e sair da crise através da utilização das redes e de novos mecanismos de exploração, baseados no rentismo (modelo google, facebook etc)?”, questionou o pesquisador e produtor de eventos de artes eletrônicas, Bruno Tarin, no grupo de e-mails do Movimento Cultura Digital. “A informação é ‘não-rival’, e, portanto, produtora de excesso, ou existe uma classe (guerras por minério na África, agronegócio na América Latina, trabalho escravo na Ásia) que sustenta a tão famosa ‘não-rivalidade’ do mundo digital; ou seja, existe um conflito gigantesco, que é abafado e ignorado no discurso dos digitalistas” escreve Bruno, referindo-se à relação cada vez mais acentuada entre a fabricação dos equipamentos eletrônicos com o trabalho escravo e guerras pelo mundo.
“É muito surreal viver esta realidade aqui dentro, quando ainda existem pessoas andando em carroças lá fora” declarou a pesquisadora Viviane Lima Ferreira, integrante da caravana catarinense da Campus Party.
Quando questionado sobre o contraste de se reivindicar a neutralidade de rede em um espaço patrocinado por algumas empresas com interesses contrários a este princípio, Marcelo Branco, profissional de TI e 1º coordenador da Campus Party Brasil respondeu: “A Campus Party é o hacking perfeito. Diferente da luta de classes, do ‘eles e nós’, o hacking é penetrar no sistema para propagar as nossas ideias”.
A Campus Party surgiu na Espanha em 1997, posteriormente estendendo-se a outros países como Colômbia e México. Marcelo explica que nas edições anteriores a do Brasil não havia espaço para o debate sobre o papel político da tecnologia, restringindo-se à inovação. As novidades da área eram as ‘melhores novidades do Google’. “Aqui no Brasil o evento ganhou um contorno social, um contorno politico; é um espaço importante do ciberativismo, da discussão de temas relevantes da democracia brasileira, das politicas de inclusão digital”, explica. “Então acho que no Brasil, mesmo patrocinada por grandes marcas, o contexto social da Campus Party é muito importante.” Marcelo Branco sistematiza a disputa pelo controle na internet por três grandes grupos econômicos, que “tentam fazer a internet diferente do que ela sempre foi: livre, descentralizada e multifuncional”.
Segundo Marcelo, o primeiro desses grupos que “brigam entre si, dentro do capitalismo pelo controle da internet” é a indústria do copyright, integrada pelas grandes gravadoras, estúdios de cinema e editoras, que, segundo afirma, tentam criminalizar as práticas de compartilhamento de arquivos. O segundo grupo seria formado pelas operadoras de telecomunicações, que “querem o fim da neutralidade da rede e o controle dos fluxos internos da internet, para que cada tipo de informação tenha um tratamento diferente: se é vídeo, será cobrado de uma forma; se é áudio, será cobrado de outra forma”.
O terceiro grupo são as “empresas que se beneficiaram deste novo modelo. Google, Facebook, Twitter, por exemplo, que num primeiro momento podem ser aliados na luta pela liberdade de expressão, porque para eles não interessa controlar o direito autoral. Por outro lado, essas mesmas empresas são os principais inimigos quando a questão é a quebra de privacidade, porque usam as informações que publicamos na rede para benefícios econômicos”. “Nós, da sociedade civil, temos que ter um posição independente em relação a tudo isso. Temos que denunciar a quebra da privacidade pelo Google, Facebook, etc. Denunciar a quebra de neutralidade das operadoras de telecomunicações, e continuar denunciando a máfia do copyright”, conclui Marcelo.