O Sol calcinante que cobria a tenda montada no Parque da Redenção para o debate sobre Comunicação, Juventude e Direitos Humanos não foi suficiente para afastar um público considerável na tarde de 21 de janeiro, em Porto Alegre, durante o Fórum Social Mundial.
O FSM, que comemora 15 anos de realização entre edições globais e temáticas, teve em Porto Alegre em 2016 o tema “Paz, Democracia, Direito dos Povos e do Planeta”, o que não parece ter sensibilizado muito a Polícia Montada gaúcha, que abordou abusivamente Paulo Sérgio Medeiros Barbosa, mais conhecido como PC, negro, ativista da Rede Mocambos, que estava chegando à tenda do debate para o qual foi convidado. A PM montada pediu documentos de identificação e exigiu que PC colocasse as mãos na cabeça, empurrando-o para um canto com o cavalo, tudo com a prerrogativa de que ele estaria em atitude suspeita no local. A abordagem constrangedora iniciou uma revolta de todos os que presenciaram o acontecimento, e foi criado um cinturão de proteção até que representantes da organização do FSM intervissem pela “liberação” do PC. “Eu resisti para permanecer ali. Se eu fosse para outro canto, quem sabe o que iria acontecer?” declara ele, emocionado, já ocupando o lugar reservado à mesa. “Se não fosse vocês se unirem em torno de mim, sabe-se lá onde eu estaria agora!” complementa Babosa, que encerrou destacando a necessidade da desmilitarização da Polícia no Brasil.
Realidade em Choque
“Legal esse Fórum, com todo mundo discutindo e falando o que pensa, mas lá no Egito seria um crime”, comenta o artista e educador Shady El Noshokaty, que, além de participar ativamente da Primavera Árabe em 2011, criou a Fundação ASCII de Arte Contemporânea, no bairro de Ard el Lewa, localizado na periferia do Cairo. A Fundação abriu as portas em 2013, promovia cursos e oficinas gratuitas e mantinha um laboratório de arte e novas mídias, e foi fechada pelo governo dois anos depois. “O povo precisa de lugar e para exercer a criação”, explica Shady, que, após as últimas experiências coletivas, apontou outra alternativa de mudança: “Temos que romper com a instituição, não como um grupo, mas como indivíduo”.
O rapper Eduardo Taddeo, conhecido pelas suas letras críticas e por um trabalho contínuo na cena do RAP nacional desde o fim dos anos 1980, também falou sobre a necessidade do cidadão romper com um sistema social brutalizante, no caso, o brasileiro, que faz com que a alienação e o consumismo difundidos nos meios de comunicação comerciais perpetuem um ciclo que só serve às classes dominantes, já que os habitantes das comunidades empobrecidas se vêem confinados no mesmo lugar, físico e existencial.
“O que o sistema quer de um cara da periferia? Que seja um drogado. Que mate por um tênis ou um celular”, fala Eduardo Taddeo. “90% dos crimes cometidos por quem está no sistema prisional foram por motivação financeira”, relata, e completa “eu com um revólver na mão não faço nem 1% do estrago de um político. Nosso problema é quem pede voto. Não quero ser representado por quem apenas lê sobre a periferia. Quero ser representado pelo cara que viveu na periferia”.
Eduardo continua sua reflexão sobre a conformidade das comunidades que aceitam políticos com denúncias de corrupção e até condenados colarem cartazes em suas ruas. Além de mais representantes das periferias, o rapper prega o inconformismo social e a educação como alternativas de mudança social. “Quando você vai na Fundação Casa, você não encontra monstros. Você encontra um monte de crianças privadas de estudo.”
No fim da fala, Taddeo comenta sobre o Fórum Social Mundial: “É muito louco esse evento. Mas temos que levar isso lá para a periferia. Tem que levar para o cara que está bebendo pinga, pensando em entrar para o crime, para que ele saiba que existe outra alternativa.”
Ela, a Comunicação
Após discursos mais centrados em Juventude e Direitos Humanos, os demais participantes da mesa passaram a focar no terceiro tema, a Comunicação.
Aline Bakar, da campanha pela libertação do brasileiro-palestino Islam Hamed, falou da importância da Internet para divulgação da campanha internacional contra o cerco à faixa de Gaza.
Paulo Motoryn que hoje está na Secretaria Nacional de Juventude, mas que foi durante muito tempo do Coletivo de Mídia Livre Vai dar Pé, de São Paulo, também relatou a importância da rede como ferramenta de denúncia para cidadãos comuns, que, através de seus perfis nas mídias sociais divulgaram abusos e crimes, como no caso da Chacina do Cábula, em Salvador, na qual após abrir uma fanpage para falar do crime, o autor, um gari, teve que sair do Estado para se proteger.
“É necessário pensar estrategicamente na comunicação e na forma de proteção dos comunicadores”, conclui Motoryn.
Felipe Altenfelder, da Mídia Ninja – iniciativa de comunicação que, após a cobertura das manifestações em Junho de 2013, ganhou muita visibilidade – acredita que a maior diferença entre os comunicadores alternativos e a imprensa tradicional é a de que enquanto os midialivristas cobrem protestos em tempo real pela Internet, a mídia comercial registra manifestações de helicóptero com adjetivos como “vândalos” e “baderneiros”. “Se você tem um milhão de pessoas nas ruas e elas não são bem representadas na mídia, vai procurar meios alternativos” explica Felipe.
Esta também é a premissa de Mário Marques, do canal Arte TV Web, criado para divulgar as atividades da comunidade Mario Quintana, de Porto Alegre, um dos bairros mais violentos da cidade. “As primeiras 20 páginas do Google só mostram crimes hediondos, por isso criamos o canal para mudar esta realidade”. Marques fala da necessidade de sempre se criar espaços midiáticos de reconhecimento das comunidades para além da mídia tradicional.
O fato é que a Internet é necessária, mas nem toda as alternativas comunicacionais precisam estar na rede, ou somente na rede. É o que lembra Nana Sanchez do Movimento de Luta nos Bairros (MLB) e Ocupação Lanceiros Negros, de Porto Alegre. Nana destacou a necessidade de um jornal forte do proletariado “das massas para as massas, que não existe no Brasil ainda”.
Nana começou a apresentação afirmando que “sabemos que as mudanças precisam ser feitas a partir da comunicação”, declaração que foi acompanhada por uma concordância geral, tanto da mesa, quanto do público.
O último convidado foi interrompido devido ao fato de o debate ter se estendido demais e haver outra mesa prevista para a sequência, no mesmo espaço. Outra comunicação não só é urgente, como necessária. Para todos.
Conteúdo publicado originalmente no site da Ciranda Internacional.