Ata da audiência pública do dia 21 de maio sobre a nova Lei Rouanet

3ª SESSÃO LEGISLATIVA DA 16ª LEGISLATURA
CTC – COORDENADORIA DE TAQUIGRAFIA DAS COMISSÕES

COMISSÃO DE TURISMO E MEIO AMBIENTE
EVENTO: Audiência Pública
LOCAL: Plenarinho
DATA: 21/5/09
HORA: 14h
ASSUNTO: Lei Federal de incentivo a Cultura

TEXTO SEM SUPERVISÃO
(disponibilizado em 15.6.2009)

A SRA. MESTRE-DE-CERIMÔNIAS (Soraia Boabaid) – Senhores deputados, demais autoridades presentes, boa-tarde.
Nos termos do Regimento Interno do Poder Legislativo catarinense, damos início à audiência pública proposta pelo presidente da Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, deputado Pedro Uczai, para debater as alterações da lei federal de incentivo à cultura, Lei Rouanet.

Convidamos para compor a mesa o excelentíssimo senhor deputado estadual Dirceu Dresch; o excelentíssimo senhor Roberto Gomes do Nascimento, secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, neste ato representando o ministro da Cultura; o senhor Eduardo Macedo, diretor de Políticas de Turismo, Cultura e Esporte, neste ato representando o excelentíssimo senhor Gilmar Knaesel, secretário de Estado de Turismo, Cultura e Esporte de Santa Catarina; o excelentíssimo senhor deputado estadual Sargento Amauri Soares; a senhora Anita Pires, presidente da Fundação Catarinense de Cultura (FCC); o senhor Péricles Prade, presidente do Conselho Estadual de Cultura; e a senhora Roseli Maria da Silva Pereira, neste ato representando a Secretaria Municipal de Cultura de Florianópolis e a Fundação Franklin Cascaes. (Palmas.)

Comunicamos que os presentes interessados em usar a palavra podem fazer suas inscrições com os servidores de apoio desta audiência.

Com a palavra o excelentíssimo senhor deputado estadual Dirceu Dresch, que conduzirá os trabalhos desta audiência pública.

O SR. PRESIDENTE (deputado Dirceu Dresch) – Boa-tarde a todos e a todas que participam desta importante audiência pública.
Inicialmente quero justificar a ausência do deputado Pedro Uczai, presidente da Comissão de Educação, Cultura e Desporto e proponente desta audiência pública, que em função de compromissos no oeste do Estado teve que viajar nesta tarde – ele passou a incumbência de coordenar este trabalho a mim e ao deputado Sargento Amauri Soares -, mas também queremos agradecer pela oportunidade de proporcionar o debate entre o Roberto do Nascimento, a quem agradecemos pelo esforço de estar aqui no Estado hoje, que é secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do  Ministério da Cultura, e os demais membros da mesa já citados pelo protocolo.

Queremos aqui dizer do importante momento que o Brasil vive, nos mais diversos temas, quando vem se fortalecendo a política de Estado, a política pública. E a discussão que vai ser feita hoje à tarde da cultura não é diferente da do financiamento público, de uma estratégia do desenvolvimento da cultura no Brasil, justamente para beneficiar todas as nossas regiões, todas as iniciativas, através dos fundos, através do debate, da participação da sociedade via conselhos, principalmente através da ampla divulgação desse debate que vem ocorrendo no Brasil nesse último período, coordenada pelo Ministério da Cultura, pelo senhor ministro, e também pelo Roberto do Nascimento, que é um dos grandes defensores de uma nova política pública de cultura no Brasil.

Com certeza este é um grande momento para todos nós e a presença de cada um, de cada uma aqui demonstra essa perspectiva, esse sonho de construir uma nova política de cultura no Brasil. Avançamos nesses últimos anos com a Lei Rouanet, temos que reconhecer, mas temos muito ainda a caminhar, democratizando o acesso aos recursos públicos destinados pela União, discutindo a participação dos Estados, dos municípios e das entidades organizadas da sociedade civil. Então este é um grande momento, com certeza. E desejo a todos que tenham uma boa estada em Florianópolis, pedindo já desculpas por esse espaço pequeno, mas no plenário grande há outra atividade e não pudemos transferir este encontro para lá. Mas queremos que todos nós possamos fazer um grande debate e sair com bons encaminhamentos.

Queremos fazer o registro da presença de uma pessoa ilustre entre nós: o jornalista e escritor Salim Miguel (palmas), que foi agraciado este ano com o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, conferido a autores que têm obras consideradas como expoente da literatura nacional. A entrega do referido prêmio será feita em solenidade no dia 23 de julho, no Petit Trianon, no Rio de Janeiro, sede da Academia Brasileira de Letras (ABL). A premiação deixa Salim Miguel na companhia de autores como Ferreira Gullar, Fernando Sabino, Antônio Cândido e Mário Quintana.
Senhoras e senhores, para os encaminhamentos desta tarde pedimos à plenária que as pessoas se concentrem no tema. Se tiverem questões mais diretas para tratar com sua entidade, sua organização, para discutir com o secretário, que possam fazer isso no final, porque a ideia é que nos concentremos bastante aqui, no debate, para não perdermos essa oportunidade. Pedimos também que as pessoas falem ao microfone, dizendo a entidade que representam, porque esta audiência está sendo taquigrafada e transmitida a todo o Estado pela TVAL.
Neste momento passamos a palavra à presidente da Fundação Catarinense de Cultura, senhora Anita Pires, para a sua saudação inicial.

A SRA. ANITA PIRES – Eu gostaria de cumprimentar a mesa, o Nascimento e principalmente todos vocês do interior do Estado e daqui, os produtores culturais, os agentes culturais, por esta oportunidade extremamente rica e saudável. Existe uma discussão nacional, uma discussão nos Estados e nos municípios, a respeito do financiamento público, a respeito das leis de incentivo. Acho que essa questão da gestão cultural, do fomento e do incentivo à cultura é fundamental, principalmente se levarmos em consideração que o outro debate que acompanha este é a questão do direito ao acesso à cultura para o exercício da cidadania.
Eu estou somente há um ano à frente da Fundação Catarinense de Cultura e estou aprendendo com os funcionários, com os técnicos, com os artistas, mas tive uma grata surpresa e queria externar isso, Nascimento: de perceber a preocupação do Ministério a respeito da inclusão cultural, da inclusão social, principalmente da democratização do acesso à cultura. Por isso acho que é extremamente oportuno este momento, principalmente quando a gente lê os indicadores, quais as regiões que mais acessam esses valores, esses incentivos. E se a gente pensa cultura como uma ferramenta de democratização e de cidadania, temos realmente que rediscutir a gestão e rediscutir a questão do financiamento público.
Obrigada, acho que isto está maravilhoso. A gente vê que o pessoal atendeu ao chamamento para este debate e isso é um estímulo bastante grande, porque percebemos que as pessoas, que os artistas, enfim, que o setor cultural está interessado nesse debate.
Muito obrigada. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (deputado Dirceu Dresch) – Passamos a palavra ao senhor Péricles Prade, presidente do Conselho Estadual de Cultura.

O SR. PÉRICLES PRADE – Boa-tarde. Na pessoa do representante do excelentíssimo senhor Ministro de Estado da Cultura, estendo meus cumprimentos a todos quantos integram a mesa.
Esta audiência pública é de extrema relevância. Encontram-se presentes os produtores culturais, os agentes de cultura, não só da Capital do Estado de Santa Catarina, mas aqueles que integram, enfim, toda a Federação no que toca aos municípios do nosso Estado.
Todos têm acompanhado, lendo os jornais e ouvindo manifestações através de outras mídias, o debate a respeito da reformulação da chamada Lei Rouanet, e parece-me que o ponto central reside na denominada democratização do acesso. A Lei Rouanet representou uma grande conquista, mas toda grande conquista sempre chega a um limiar, a um ponto em que necessita, em razão das mudanças pelas quais passa o País, de uma reestruturação.
Oportunamente deverei manifestar-me, tão logo ouça o representante do Ministério. Agora ficam aqui apenas os meus cumprimentos pela oportunidade proporcionada aos presentes de rever todo esse espectro legal, tão importante para o aperfeiçoamento da cultura em nosso país.
Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (deputado Dirceu Dresch) – Passamos agora a palavra à senhora Roseli Maria da Silva Pereira, neste ato representando a Secretaria Municipal de Cultura de Florianópolis e a Fundação Franklin Cascaes.

A SRA. ROSELI MARIA DA SILVA PEREIRA – Uma boa-tarde a todos. Em nome do município e do professor Rodolfo Pinto da Luz, agradeço a oportunidade.
Cumprimento o nosso secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, senhor Roberto do Nascimento, e todos os demais membros da mesa. É uma satisfação muito grande ver aqui várias pessoas do segmento da cultura, tanto do município como do nosso Estado. E gostaria de parabenizar o senhor secretário de Fomento pela iniciativa de estar trazendo para o nosso município, para o nosso Estado e para as quatorze capitais essa discussão em relação à Lei Rouanet, pois que precisamos muito saber dos detalhes e das modificações que vêm acontecendo.
Era isso o que eu tinha a dizer.
Muito obrigada. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (deputado Dirceu Dresch) – Passamos a palavra ao deputado Sargento Amauri Soares, para a sua saudação inicial.

O SR. DEPUTADO ESTADUAL SARGENTO AMAURI SOARES (SC) – Boa-tarde a todas e a todos.
Cumprimentando o deputado Dirceu Dresch e o secretário nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, Roberto do Nascimento, cumprimento todos os demais membros da mesa; cumprimento os organizadores desta audiência pública, a militância da Assembléia Legislativa, dos gabinetes, que construíram esta importante audiência, e evidentemente que cumprimento as organizações e as pessoas envolvidas com cultura pela importante participação na tarde de hoje.
Eu vim para esta audiência com o objetivo de me inserir mais nessa discussão e poder, inclusive, apoiar melhor as demandas do setor cultural, da cultura em geral da nossa sociedade. Por isso me coloco à disposição da coordenação deste trabalho como fiel escudeiro.
Quero registrar que a gente se ressente, porque embora o assunto cultura apareça em todas as rodas de conversa, pelo menos em quase todas ou na maioria delas, parece que cultura fica sempre como último item das pautas, como último aspecto antes do et cetera – isso quando ainda tem et cetera depois da cultura nas listas de prioridades. Evidentemente que com exceção da lista de vocês, que começa com cultura.
O Brasil é um país com um potencial nesse sentido em vários aspectos e para vários objetivos, inclusive para aqueles que olham a cultura como uma forma de investimento econômico, que não é, evidentemente, o aspecto que nos interessa, particularmente neste debate, mas, sim, a possibilidade do fomento, do incentivo, da existência de políticas públicas que possam efetivamente garantir que se expressem todas as formas de manifestação cultural existentes no nosso país. Embora tenha mudado um pouco nos últimos anos, como já citado aqui, em relação ao tratamento das questões artístico-culturais no Brasil, dá para se usar a expressão de que é uma mendicância, se compararmos com investimentos feitos em outros setores.
A cultura de qualidade, a cultura genuína, efetiva, criadora, esta é acessível infelizmente a uma minoria da população nacional, e reverter isso é papel do Estado. Por isso acredito que estando aqui e militando melhor a partir de hoje nesta questão, aprendendo, portanto, com todas e todos que estão aqui, possamos contribuir mais para reverter esse quadro.
Para finalizar, quero dizer da imensa alegria em ter a oportunidade de conhecer pessoalmente Salim Miguel, que é um patrimônio nosso, do Brasil e do mundo. É uma grande satisfação e uma grande emoção conhecê-lo pessoalmente na tarde de hoje.
Muito obrigado e depois prosseguimos no debate. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (deputado Dirceu Dresch) – Obrigado, deputado Soares.
Eu quero aqui registrar a presença nesta audiência pública da senhora Tânia Maria Piacentini, representando a Biblioteca Barca dos Livros e a Sociedade Amantes da Leitura de Florianópolis; do senhor Milton Luiz Horn Vieira, presidente do Conselho de Curadores da Universidade Federal de Santa Catarina; do senhor Ademar Antônio Maçaneiro, secretário de Cultura e Turismo de Nova Trento; do senhor Eder Ivan Kommers, secretário municipal de Esporte, Cultura e Lazer, neste ato representando o senhor Sabino Bussanello, prefeito de Itapema; do senhor Joceli de Souza, consultor de Relações com o Mercado da Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte; da senhora Jeanine Nahas Donatello, representando a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional da Grande Florianópolis; da senhora Rosane Dalsasso, representante do Ministério da Cultura na região Sul; do senhor Ademar Simon, representando o deputado federal Valdir Colatto; do senhor Paulo Cezar Batista, representando a deputada estadual Ana Paula Lima; e da senhora Silmara Anunciato, presidente da Sociedade dos Poetas Advogados de Santa Catarina.
Neste momento passamos a palavra ao senhor Roberto Gomes do Nascimento, secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, neste ato representando o ministro da Cultura.
O SR. ROBERTO GOMES DO NASCIMENTO – É um grande prazer estar aqui em Florianópolis, na Assembléia Legislativa do Estado, enfim, é extremamente simbólico este encontro de hoje. Eu queria agradecer todo o esforço de mobilização do presidente dessa Comissão, Pedro Uczai, da senadora Ideli Salvatti, que também trabalhou firmemente para a realização deste evento, enfim, de todos os deputados representantes dessa Comissão que materializam esse interesse em participar do debate e fazer esse chamamento público, extremamente bem acolhido aqui, já que estamos com lotação esgotada neste espaço.
Também agradeço à Casa pela recepção ao Ministério da Cultura, por essa oportunidade de estarmos incluindo Santa Catarina nesse debate. Na região Sul era o único Estado que estava faltando, pois já fizemos uma audiência pública também na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul e outra em Curitiba, no Teatro Fernanda Montenegro, e realmente faltava este debate aqui em Santa Catarina.
Quero saudar também todos os companheiros de mesa, a presidente da Fundação Catarinense de Cultura, o deputado Soares… Eu me sinto mais à vontade se estiver em pé, por isso peço licença.
A primeira questão a ser colocada é que o Ministério da Cultura finalizou, agora no dia 6 de maio, o processo de consulta pública do projeto de lei, que ficou no site da Casa Civil durante 45 dias e foi objeto de muita controvérsia, mas, em síntese, houve um certo consenso pela necessidade de mudança do modelo atual. Algumas poucas manifestações com relação a ser melhor não mexer nisso, a deixar como está, que normalmente vinham de territórios mais privilegiados pelo modelo atual, só que no grande território nacional a expectativa é de mudança na medida em que várias distorções se caracterizaram.
Por que o Ministério propôs essa mudança neste momento? Primeiro que, obviamente, vêm sendo planejados há algum tempo, discutidos e maturados internamente todas as medidas e os impactos dessas propostas dos mecanismos de financiamento da cultura. Obviamente que teve toda uma análise e um diagnóstico de uma série histórica, de um comportamento da posição, como o próprio deputado manifestou aqui, da cultura no debate público e no cenário nacional.
Dezoito anos após a Lei Rouanet, após a publicação da Lei 8.313, o Ministério conseguiu fazer em 2006 o primeiro convênio com o IBGE e o Ipea para que fossem sistematizadas informações oficiais sobre o comportamento da cultura no País. Não se tinha nenhum relatório, nenhum dado de instituto oficial que monitorasse a cultura no País, o que já mostra – e acho que isso é importante frisar – que um dos aspectos determinantes para essa mudança é a necessidade urgente do desenvolvimento institucional da cultura no País, e isso passa pelo fortalecimento dos órgãos federais, dos órgãos estaduais e municipais, isso passa pela mobilização dos agentes culturais, da sociedade organizada, que de forma estruturada pode pleitear, sistematizando reivindicações e acompanhando todo o comportamento da cultura de um modo geral. E para isso precisamos de dados indicadores.
(Procede-se à apresentação de imagens.)

Essa parceria com o IBGE e o Ipea e uma pesquisa encomendada para o Ibope, demonstrou que mesmo quase dezoito anos após a Lei Rouanet ter implementado um mecanismo, um programa nacional de apoio à cultura, 14% da população frequenta cinema pelo menos uma vez por mês, 92% nunca frequentou museu… Vejam, 92% dos brasileiros nunca frequentaram museu! Esses são dados alarmantes, não é uma coisa trivial! Temos também que 93% nunca foi a uma exposição de artes, 38% nunca assistiu a um espetáculo de dança, apesar de a mesma pesquisa dizer que quase 30% da população sai regularmente para dançar. É curioso! Também 90% dos municípios brasileiros não têm cinema, teatro, museu ou espaço multiuso. Esse dado da dança é interessante, porque mostra a necessidade de formação de plateia, quer dizer, o brasileiro não tem aversão à cultura ou à manifestação cultural, mas ele tem a necessidade de ser formado como plateia, um espectador de um espetáculo.
Aqui uma outra abordagem (aponta para o gráfico) que mostra a evolução do orçamento do Ministério da Cultura desde 2003 e o volume da renúncia fiscal no mesmo período. Os dados mostram que até 2004 o orçamento tinha uma relação mais favorável em relação à renúncia. A partir de 2004, que é a linha mais escura, a renúncia descola completamente do orçamento do Ministério da Cultura. Um esforço interessante e louvável, pois isso injetou muito dinheiro na cultura, mas injetou muito dinheiro de uma forma pouco governável, que são exatamente projetos aprovados para renúncia que são selecionados pelas empresas e não com investimento direto do Poder Público.
Ali na linha azul (aponta para o gráfico) mostra que o orçamento do Ministério da Cultura, em 2003, era alguma coisa em torno de 0.2% do Orçamento total da União, e nós chegamos agora em 2008 a 0.6%, ainda muito abaixo do mínimo de 1% recomendado pela Unesco no Tratado da Diversidade Cultural, do qual o Brasil é signatário, inclusive. Então 1% é um percentual mínimo a ser perseguido. Porém, aquele orçamento ali é um orçamento geral do Ministério, não é só um orçamento para financiar atividade finalística, a atividade-meio está ali também, o consumo de recursos que a máquina faz também é custeado por esse mesmo orçamento. Para se ter uma ideia, a proporção é que de todo o recurso para financiamento da cultura do País hoje, 20% vem do nosso orçamento e 80% vem da renúncia fiscal.
Nesse quadro também fizemos uma análise de qual era o desempenho do Ministério com relação à execução orçamentária, porque uma coisa é você ter… Não importa se você tem muito ou pouco orçamento, mas o quanto você executa dele. E na verdade nós nos surpreendemos quando vimos que dentro da Esplanada tínhamos um dos maiores percentuais de execução orçamentária, em torno de 98%. Em 2008 houve uma queda, caímos para 93% em função do advento do Siconv, que alguns de vocês devem conhecer, gestores públicos com certeza… Aliás, parabéns pela presença anunciada de vários gestores públicos aqui, de prefeituras, enfim, e eu me lembro que no evento em Curitiba inclusive estavam prefeitos de Santa Catarina, talvez pela proximidade com o Estado ou talvez não querendo arriscar que aqui não acontecesse o evento que agora acontece, mas parabéns por essa presença maciça.
Mas nós tivemos um impacto com o advento do Siconv, que é um sistema de conveniamento do governo federal, através de decreto presidencial para todos os Ministérios, que a implantação desse sistema dificultou a execução de todos os Ministério, não foi exclusividade nossa – a nossa execução é uma das melhores da Esplanada.
Fizemos um estudo também para ver como se dava a relação de eficiência do Ministério sob o ponto de vista da relação custeio e investimento direto em atividade finalística. E aí vimos que em 2003 tínhamos uma relação de para cada Real investido em ação finalística o Ministério gastava R$1,50, e em 2008 a gente conseguiu inverter isso, ou seja, para cada Real investido, R$ 0,78 são consumidos pela atividade-meio. Isso também não foi sorte ou obra do acaso, foi um esforço, uma meta estabelecida que foi perseguida através da renovação de contratos, da melhora de logística no planejamento e utilização da frota de veículos do Ministério… E nesse aspecto a gente conseguiu fazer quatro vezes mais percursos com carros e gastando a metade do valor que se gastava antes. Então é um exercício de gestão eficiente, de fato. Em 2007 foi quando houve essa inversão, quando o custeio passou a ser menor que o investimento finalístico.
Em função dessa ampliação de recursos e da administração do Ministério da Cultura desde 2003, como se deu a destinação de recursos comparativamente a outros períodos? A gente, na verdade, conseguiu colocar onze vezes mais recursos que eram investidos na região Norte, no Sul foram cinco vezes mais, três vezes mais no Centro-Oeste, cinco vezes mais no Nordeste e no Sudeste foram duas vezes mais.
Isso mostra que com os recursos da administração direta a gente conseguiu melhorar o aporte, ampliar a destinação de recursos para várias regiões, principalmente para aquelas que captam menos na renúncia fiscal. Porém, o que acontece é que estamos falando de um valor absoluto pequeno, que é 20% do total que é investido. Então não há como compensar, é impossível você equalizar distorções de 80% com apenas 20%. Não tem como você gerenciar isso.
A relação Fundo e renúncia. Como eu falei, a renúncia fiscal hoje consome 80% de todo o financiamento para a cultura e o Fundo Nacional de Cultura (FNC) fica com 20% desse financiamento total.
Distorções desse modelo. Dentro desses 80%, que está em torno de R$ 1 bilhão… A captação, dentro da renúncia fiscal, desde 2007, está na faixa de R$ 1 bilhão e este ano deve cair um pouco em função da crise econômica, um outro problema que justifica mexer na lei neste momento inclusive. Muita gente fala: não, se mexer as empresas vão recuar. Primeiro que eu não percebo desta forma, porque nós já conversamos com as grandes empresas e o Ministério constituiu um Fórum de Investidores Privados em Cultura, que gerou um documento que está inclusive no nosso site, www.cultura.gov.br, fórum esse que envolve o Sistema S, o Gife, que é o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, e o setor privado está bastante convencido de que do jeito que está não dá para continuar.
O que aconteceu? Ao longo desse período inteiro, de cada R$ 10,00 captados, R$ 9,00 é de renúncia fiscal, ou seja, esse modelo inteiro que consome recurso público na operação, da apresentação de um projeto, passando pela instrução de um processo administrativo que vai percorrer vinculadas, a pegar parecer técnico, retornar à Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, abrir conta bancária, executar um projeto, à prestar contas, todo esse mecanismo funciona para somente atrair 10% de capital privado. É preciso que o governo federal coloque anualmente R$ 900 milhões em renúncia fiscal federal para poder atrair R$ 100 milhões de recursos privados, que na verdade são os grandes beneficiários, principalmente de agregação de valor à marca, porque eles vão exatamente atrás dos grandes projetos que dão retorno de imagem para o patrocinador.
Em relação a essa questão da participação do setor privado, a coisa chegou num ponto tal que muita gente fala: mas se mexer na lei, todas as empresas vão sair, não vão querer mais participar. Primeiro que já ocorreu uma retração no último trimestre de 2008, houve uma retração da captação em 7% no ano passado, que foi exatamente o mesmo percentual de retração da economia em função da crise internacional. Ou seja, houve um problema de descapitalização das empresas e elas não tinham como antecipar o imposto devido para poder patrocinar. A Petrobras anunciou, no final do ano passado, que iria adiar o lançamento do edital e tudo mais, assim como várias empresas… Vocês, melhor que eu, sabem disso no dia-a-dia, sentiram na carne essa puxada de tapete das empresas.
E o que acontece? Isso mostra que o mecanismo de financiamento da cultura, que está baseado na expectativa de lucro das empresas, ou seja, só tem dinheiro para a cultura quando as empresas tiverem lucro, não é viável, não é sustentável e tampouco isso é mecenato. Por que chamam de mecenato? Não existe em nenhum lugar na legislação essa expressão, mas popularizou-se que está se fazendo mecenato, só que o Brasil é o único lugar do mundo em que se faz mecenato colocando a mão no dinheiro dos outros e não no seu próprio. A renúncia fiscal é um dinheiro do contribuinte, do cidadão brasileiro, ou ela é uma guia de Imposto de Renda ou ela é um contrato de patrocínio incentivado. Não há mecenato algum nisso, principalmente tendo somente 10% de valor agregado.
Além do que, eu, como gestor público, como secretário de Fomento à Cultura, resisto à ideia de que tenho por função fortalecer o mecenato para a cultura. O artista não quer mecenato, ninguém está atrás de um mecenas, ninguém quer caridade ou filantropia. O artista quer política pública, quer que efetivamente o Estado se posicione a favor dele e que estejam claramente estabelecidas as políticas públicas que possam dialogar com diferentes interesses e naturezas de ação que se sucedem no País, inclusive aquelas com expectativa de retorno econômico, de empreendimentos culturais. Isso é desejável também.
Essa lâmina fala da renúncia fiscal per capita/ano. A captação da renúncia é por cada região. Então a gente tem ali o Nordeste e o Norte abaixo de R$ 1,00 per capita. O Sul, que é essa linha (aponta para o gráfico), apresenta um crescimento na relação per capita. No resto do Brasil tem se falado muito que o problema é a concentração Sul-Sudeste – vocês estão entrando nessa cota da concentração.
Eu também preparei umas lâminas mostrando o comportamento da renúncia fiscal em Santa Catarina, para vocês terem uma ideia.
Este gráfico (aponta para a tela) mostra a evolução da captação na renúncia fiscal. Em 2003 era alguma coisa em torno de R$ 400 milhões, em 2007 chegamos a R$ 1 bilhão, em 2008 houve uma pequena queda, como eu mencionei, e em 2009 já projetamos também uma queda em relação a 2008, possivelmente em função desse cenário de crise internacional.
Aqui mostra como está a distribuição desse período acumulado. De toda captação entre 2003 e 2008… a Lei Rouanet conseguiu movimentar cerca de R$ 8 bilhões em dezoito anos, sendo que R$ 4 bilhões, a metade desse volume, foi entre 2003 e 2008, por conta daquele crescimento que eu mostrei ali. Nesse período de 2003 a 2008, a região Sul toda ficou com 11%, o Sudeste com 79%, o Norte com 1%, o Nordeste com 6% e o Centro-Oeste com 3%. Por isso que se fala em concentração Sul-Sudeste, porque vocês são… (Risos.)
(Manifestação inaudível fora do microfone.)

Mas depende de onde se fala, porque no Norte vocês são concentração. Tudo é relativo. Na verdade é o seguinte: quando se tem 1% de captação para uma região inteira, que não é pequena e tampouco não é pobre, sob o ponto de vista de diversidade e de riqueza cultural, o quadro é dramático. Isso aqui não tem…
(Manifestação inaudível fora do microfone.)
É a captação total.
Aqui (aponta para o gráfico) mostra exatamente essa desproporção. O verde é o Sudeste e o restante são as quatro regiões juntas. Vocês vejam que de 2003 a 2007 houve ainda um crescimento da região Sudeste, e para um crescer, os outros têm que diminuir. É matemática, tem que fechar em cem de qualquer maneira. Ou seja, tivemos ali, pela primeira vez, perto de chegar abaixo de 20% o total das quatro outras regiões. Então a tendência disso é realmente começar a baixar de 20% e subir de 80% a região Sudeste, pela inércia da coisa. Se nada for feito, é o que vai acontecer, a tendência é essa.
Dentro da região Sul, nós temos que 59% da captação fica no Rio Grande do Sul. Daqueles 11%, quase 60% vai para o Rio Grande do Sul, 25% para o Paraná e 16% para Santa Catarina, daqueles 11% de captação. Em relação ao nacional, esse é o comportamento da captação em Santa Catarina. Nunca passou de 2%, não é? Foi 1,70, 1,50, 1,60, 1,30, varia de ano a ano, mas no acumulado a média é de 1,67%. Essa é a participação do Estado na captação nacional, dentro desse período. Isso talvez explique o porquê da tamanha frustração de todos e de todas em não conseguirem executar seus projetos, ainda que aprovados pelo Ministério, mas é que não conseguem um patrocinador.
Dentro dos 16% que Santa Catarina pega da região Sul, a captação se distribui da seguinte forma: 35% em arte cênica, 18% em patrimônio, 16% em música, 13% em humanidade, 7% em audiovisual, 2% em artes visuais e 9% em artes integradas. Vou entrar só em arte cênica: dentro dela, 32% é teatro e 60% é dança.
(Manifestação inaudível fora do microfone.)
Bom, esse é o quadro do Estado. O fato é que o circo tem 8%, a dança tem 60%, mas temos também o festival de dança, enfim…
[Orador não identificado manifesta-se fora do microfone: “Bolshoi! “Bolshoi!” (Risos.)]
E por aí vai! Em patrimônio cultural… Eu vou deixar essa apresentação para vocês, para quem quiser olhar com mais detalhe. Vou deixar com a Assembleia, que estará publicizando a informação.
(Manifestação inaudível fora do microfone.)

Este PowerPoint eu preparei para esta apresentação, todo o resto está disponível no site do Ministério, é só fazer download diretamente da página. Só isso é que não está, porque eu vim finalizando no avião.
Na sequência tem música erudita, popular… É interessante ver isso com cuidado, porque mostra não só o comportamento das manifestações daqui, mas isso aqui ainda é valor agregado, porque eu estou pegando uma série histórica de 2003/2008. Se eu pego o comportamento anual, você vê que não há consistência. Eventualmente uma captação grande em patrimônio se deu por algum esforço circunstancial para uma intervenção localizada, e depois aquilo não se mantém, não tem uma consistência de política cultural de fato nos territórios que têm baixa captação, e infelizmente Santa Catarina é um deles.
Então é importante e fundamental… Este caso é bem emblemático. Você tem a análise de humanidade, sendo que 97% dos recursos são para edição de livros, mas você não tem nenhum investimento incentivado em biblioteca.
(Orador não identificado manifesta-se fora do microfone: “E eventos literários.”)
Evento literário, enfim, alguma feira de livro: 0,47%. Ou seja, o grande volume de recursos se dá por quê? Porque as empresas gostam de publicar livros de mesa, então essas edições de livros são luxuosas e são distribuídas a clientes preferenciais. Isso não tem nada a ver com políticas de livre leitura. Então, existe uma série de distorção embutida neste quadro e eu passaria a tarde inteira e varava a noite falando com vocês, mas eu não tenho tempo e não me autorizaram a fazer isso. (Risos.)
(Manifestação inaudível fora do microfone.)
Eu acho que as perguntas são depois.

Carnaval 29%, dentro de artes integradas, e o restante é… Artes integradas é uma categoria que foi criada no Ministério para classificar ações culturais que envolvam mais de uma linguagem. Então se é uma exposição com produção de CD e uma publicação, tem mais de uma unidade parecerista, é considerada arte integrada. E o carnaval é um evento considerado de arte integrada, porque integra artes visuais, música, dança, enfim, uma série de questões. E aí também são shows e oficinas com vários tipos de programação integrada.
Aqui (aponta para a tela) é a parte de audiovisual, sendo a produção com 51%, a difusão com 46%, nem está tão desproporcional aqui; eventos somente 2% e 1% de multimídia. É tanta coisa para falar que eu também tenho que administrar a minha ansiedade. (Risos.)
No artes visuais, artes plásticas com 49%, gravura com 13%, exposição itinerante com 38%.
Nesta outra lâmina temos o comportamento do Fundo Nacional de Cultura em relação ao FNC. Muita gente acusa ou está usando a acusação de que o Ministério está sendo dirigista, autoritário, já fui chamado de stalinista e tudo o mais por aí. Mas primeiro que eu desconheço um outro episódio, aí parafraseando o nosso presidente: nunca antes na história deste país foi feita uma audiência pública para discutir lei de cultura. Nenhuma lei anterior foi objeto de consulta e de debate público amplo, como está sendo a mudança da Lei Rouanet.
Em segundo, eu também desconheço, estou no Ministério somente há dois anos, mas desconheço algum episódio em que o Ministério tenha sido dirigista no sentido de estar praticando censura ou indeferindo um projeto por discordar do padrão estético ou da linguagem artística que estava ali identificada. Eu não conheço! Pode ter crítica com relação à análise de orçamento, que achou que ia gastar mais e não ia, enfim, coisas dessa natureza. Agora, sob o ponto de vista do mérito, eu desconheço algum caso concreto.
E o que a gente podia fazer, o que o Ministério podia fazer ao longo do tempo com essa margem de manobra, tendo 20% para tentar equalizar distorções de 80, foi feito, ou seja, o amarelo ali (aponta para o gráfico) é exatamente o volume de recursos do FNC, contra o roxo que é o volume da renúncia fiscal.
Então na região Norte, por exemplo, que é apenas esse tracinho aqui (aponta para o gráfico), de renúncia fiscal, que é o 1% que eu mostrei anteriormente, o que cabe para a região inteira, foi onde nós conseguimos colocar mais recursos do FNC, proporcionalmente. Tem um problema de demanda aqui, nós também não recebemos projetos suficientes para poder… e todo um trabalho de capacitação já está sendo feito nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, em parceria com a Sefic, que é a minha Secretaria de Fomento e Incentivo, junto com a CNI, estamos fazendo uma ação desde o ano passado de capacitação de projetos culturais no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
O Nordeste também tem mais recursos do Fundo do que da renúncia, diferentemente do Sudeste, que tem mais recursos da renúncia em relação ao Fundo. Mas aí falam: mas por que ainda vai dinheiro do Fundo para o Sudeste, se eles já captam tanto? Porque a concentração não é só regional, e esse recorte regional embute também uma série de distorções. Quando você fala que 80% da renúncia fiscal está na região Sudeste, não se diz que o Espírito Santo, que é um dos quatro Estados da região Sudeste, capta 1% e que Minas Gerais capta 14% desses 80%. Então Espírito Santo e Minas perfazem 15%, 85% é Rio e São Paulo. Aí você fala: poxa, mas Rio e São Paulo captam 85%? Não, porque isso fica na capital, o interior desses Estados também não vê renúncia fiscal, também é excluído dessa captação. Ah, mas a capital fica com esse dinheiro? Também não, não só a Capital de Rio e São Paulo, porque isso fica nos bairros nobres onde tem equipamentos estabelecidos, a periferia também não vê essa captação.
Então é importante que o Fundo Nacional de Cultura reconheça essas distorções. E esse volume aqui que é transferido pelo Ministério basicamente são pontos de cultura, que vocês já devem conhecer. Temos no Brasil inteiro, em todos os Estados, e assinamos há pouco o acordo aqui com o governo estadual para a realização do edital de pontos de cultura. Isso está acontecendo no País inteiro para atender exatamente regiões de periferia e de exclusão.
Aqui um consolidado (mostra gráfico) também da distribuição per capita com base na população de 2008 mostrando a relação de destinação da renúncia fiscal per capita por região, ou seja, no Sudeste a distribuição é R$ 7,24 per capita, aqui no Sul é de R$ 2,86 e no Norte R$ 0,44 per capita. Ou seja, é inaceitável!
Distorções do modelo de financiamento, renúncia per capita. Aqui no caso (aponta para a tela) a região Sul, mostrando que o Paraná tem melhor distribuição per capita; renúncia por ano, também a região Sudeste a média nacional, e a região Sul, comparativo.
Outras graves distorções que se caracterizaram ao longo desse tempo: 3% dos proponentes captam metade da renúncia fiscal. A cada ano, de cada R$ 1 bilhão, R$ 500 milhões ficam na mão de 3% dos proponentes. Isso de 2003 a 2008. Se eu pegar de 1998 a 2008, 3% pega 80% da captação, é mais concentrado ainda. E quem são os 3%? São institutos ligados a patrocinadores, ou seja, a renúncia da empresa vai direto para um lugar só; são grandes projetos e entidades que consomem um volume de recursos significativo – já conhecem o caminho das pedras, sabem como chegar lá.
Outras distorções: o mecanismo da renúncia prioriza projetos com alto retorno de imagem e ênfase de marketing. Esse é o problema quando você associa, e de uma forma relativamente indiscriminada, a renúncia fiscal com interesse privado. Nós não estamos satanizando as empresas, nós estamos preservando um modelo de renúncia fiscal, só que ele tem que ser disciplinado. Da forma como está não funciona. Não se faz política pública e nenhum setorial com renúncia fiscal. Isso é papel do Estado e tem que ser feito com recursos da União. É assim na educação, é assim na saúde, é assim na ciência e tecnologia.
Outro dia eu estava no Senado e fiz uma provocação aos senadores. Eu queria que eles me dissessem qual seria o estado da ciência, da pesquisa e da tecnologia no Brasil se o pesquisador tivesse que apresentar o seu projeto no CNPq, obter a aprovação e depois disso ir a campo conseguir patrocínio nas empresas para viabilizar a sua pesquisa. [Taquígrafa-revisora: Siomara]
Nós estamos falando de uma área estratégica para o Estado brasileiro, que é a cultura; nós estamos querendo botar a cultura nesse movimento, no centro da discussão do desenvolvimento econômico-social no Brasil, desenvolvimento humano.
Não faz sentido (e o deputado levantou isso aqui na sua fala de abertura) a gente sustentar um modelo em que a cultura é um adereço, um enfeite, um acessório que adorna a sociedade. Não pode ser assim, não é assim, não se pode ter essa percepção. Existe um elemento estratégico da centralidade da cultura no desenvolvimento do País. Vários países em outros momentos de crise elegeram a cultura como um agente estratégico de alavancagem. Os Estados Unidos fizeram isso em 1929, em função da Crise da Bolsa, orientou para a indústria criativa – já há algum tempo tem aí Hollywood, sem fazer juízo de valor com relação à qualidade artística, mas é uma indústria cultural, Broadway, enfim, todo o conjunto de indústrias tecnológicas que compõem a indústria criativa.
Hoje, o PIB das indústrias criativas no mundo corresponde a 7%. A cultura está aí dentro. Então, ou a gente efetivamente muda a relação do Estado com a cultura ou vamos perder um bonde na história. Esse é o ponto de discussão.
Esse modelo atual de renúncia fiscal não fortalece a sustentabilidade. Hoje, se por uma razão qualquer há um corte radical no teto de renúncia disponibilizado para a Cultura, eu arrisco dizer que a programação cultural da região Sudeste para, porque é basicamente sustentada com recurso da denúncia fiscal. Isso não é sustentável, você não pode ter um modelo que se baseia somente numa única fonte de recurso. A Fernanda Montenegro, recentemente, acho que no último sábado, deu uma entrevista à Folha de S. Paulo dizendo que a cultura está estatizada. Se não tem dinheiro público, não acontece cultura! Tem alguma coisa errada! Quando todo mundo vai ao Ministério – e a única fonte que tem de viabilização de projetos é o Ministério, é o recurso público federal, estadual ou municipal –, tem alguma coisa errada, porque tem uma dimensão da cultura que é economia, e ela tem que ser sustentável, ela tem capacidade para isso.
Na gestão do ministro Gil, foram identificadas três grandes diretrizes que desde então orientam o Ministério: o reconhecimento da cultura como fato simbólico, o fator (ininteligível), cidadania, enfim, de nacionalidade, de territorialidade, representante de toda a diversidade cultural brasileira, a cultura na sua dimensão cidadã…
Muitos mencionaram aqui também na sua fala de abertura a importância de garantir o direito de acesso à cultura e o direito de acesso aos financiamentos para a cultura também, não é só ter acesso ao serviço cultural, ao evento que está acontecendo, mas poder realizar o evento. O que está sendo colocando aqui… E as pessoas podem dizer: “Não, tudo bem, não precisa (ininteligível), a gente começa a circular mais com as ações”, mas não é isso que se está querendo, isso resolve em parte o problema; que a produção de Rio e de São Paulo comece a (ininteligível) mais pelo Brasil, isso é bem-vindo, mas o importante é (ininteligível) a produção local para que ela realize os seus eventos. Isso pode ser até encarado como uma certa transição, mas o objetivo não pode ser a meta. O fato é que existem claramente três dimensões na Cultura, a dimensão simbólica, a dimensão cidadã e a dimensão econômica. A Lei Rouanet, inclusive, com todo mérito, foi responsável por isso. O Brasil, hoje, culturalmente é diferente do que era antes da Lei Rouanet. Depois de R$ 8 bilhões qualquer setor fica diferente. Não há como não acontecer um impacto. Agora, em função dessa mudança, vivemos hoje uma realidade em que o campo cultural está muito mais organizado, está estruturado, profissionalizado, e, em função disso, é preciso ter políticas mais sofisticadas, produtos customizados, diferentes fontes de acesso a recursos para dialogar com diferentes tipos de natureza de ação. Hoje todo mundo vai beber na fonte da renúncia fiscal; pretensamente, em condições iguais, todo mundo sai com o projeto debaixo do braço para tentar captar um patrocínio. Não é verdade, as condições não são iguais. Menos de 50% dos valores solicitados são aprovados. Além disso, inflacionou o mercado, não se tem excesso de dinheiro relativamente fácil, e com controle terceirizado faz elevar o preço de itens de consumo de projetos culturais. Hoje, é mais ou menos 50% o total de recursos cortados, glosados, reduzidos em projetos que são apresentados; e só 20% do valor aprovado têm captação no mercado. Temos cerca de R$ 5 bilhões em crédito de renúncia por ano aprovados pelo Ministério, só que desses somente um R$ 1 bilhão consegue captação, e quase sempre são os mesmos, que estão ali na região Sudeste do País.
Essa perversa via-crúcis todos já conhecem. O projeto é apresentado no Ministério da Cultura, é encaminhado para parecer das (ininteligível), é observado e votado na Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, é publicado no Diário Oficial e é aprovado. Aí ele começa: vai à empresa um, dois, três, quatro, cinco, até eventualmente ser sorteado, tirar a sorte grande e conseguir oferecer atratividade suficiente para captar alguma coisa, e alguma coisa, os 20% não quer dizer que todo mundo capte tudo que está aprovado, não; 20% de todo esse bolo conseguem alguma captação, tem muita gente que não consegue alcançar os 20% mínimos para mexer na conta. Então, não há condição de se manter um modelo dessa forma. Além disso, há sobrecarga. Como esse mecanismo acabou se tornando o principal, tem uma… Na verdade, nós recebemos na Sefic anualmente em torno de nove, dez mil projetos/ano que chegam para ser analisados e iniciar o processo de tramitação. Somados aos cerca de oito mil que são prorrogados de um exercício para o outro, temos dezoito mil processos em alguma fase da sua vida tramitando na Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura. A CNIC analisa alguma coisa entre seiscentos a mil projetos a cada reunião.
Falhas de avaliação e atendimento. É obvio, essa demanda aumentou de uma forma não correspondente com a capacidade operacional. O Ministério não cresceu proporcionalmente ao aumento da demanda, e isso gera problema de tramitação e de atendimento.
Governo concorrendo com a sociedade. Isso é interessante, e estão botando o dedo nessa ferida. Qual é a questão? Você tem um orçamento insuficiente, inclusive missões constitucionais que você tem que dar conta – isso vale para o governo federal, para o governo estadual e para o governo municipal. Aí o orçamento é baixo, eventualmente quem tem fundo faz com que ele se comporte como o orçamento. Como os fundos também não são suficientes, acabam fazendo o quê? Que a renúncia fiscal se comporte como orçamento público, financiando equipamento público. Isso também não é trivial. Esse mecanismo consome anualmente cerca de 25% da renúncia fiscal federal, divididos entre governos estaduais, municipais e federal. Então, desse R$ 1 bilhão/ano, R$ 250 milhões são consumidos indiretamente pela administração pública para financiar a manutenção de equipamentos públicos ou a programação desses equipamentos.
(Orador não identificado manifesta-se fora do microfone. Inaudível.) Sim, um estudo para ver exatamente qual é a insuficiência de atendimento da renúncia fiscal.
Os quatro maiores segmentos que captam renúncia fiscal são música erudita (ou instrumental), edição de livros, teatro e arte integrada. Por quê? Porque esses quatro conseguem se encaixar no artigo 18 e ter 100% de renúncia. Quem são os trinta menores, quem menos consegue captar? Biblioteca (o livro é um dos três maiores, mas a biblioteca está entre os trinta menores), circo, capacitação, pesquisa, periódico, artesanato, restauro de audiovisual, arqueologia. Enfim, você tem um conjunto de segmentos aqui que é estratégico, sob o ponto de vista da preservação do patrimônio, memória e inovação, inclusive, que não consegue ser apoiado pela renúncia fiscal. Não consegue e não conseguirá, porque não oferece atratividade de mercado. Na arqueologia, tem o caso clássico do Parque Nacional da Serra da Capivara no interior do Piauí, que é o maior parque nacional e certamente um dos maiores exemplos do mundo de acervo de pintura rupestre. Como fica no interior do Piauí, quem vai querer colocar a sua marca lá e dizer que está patrocinando aquilo? Nós já ouvimos isso de estatais, inclusive. “Por que vou colocar um patrocínio lá se ninguém passa lá para ver o que está acontecendo, para ver a minha marca exposta?” Ou seja, é da natureza do mecanismo, não há como se questionar, porque a empresa está no seu direito de exigir esse retorno de imagem, isso ela pode fazer, agora, o que não dá para fazer é terceirização da (ininteligível) cultural a partir da renúncia fiscal.

Eu acredito que a grande maioria aqui tenha lido o projeto de lei, tenha contribuído – não quero entrar muito em detalhes. A gente poderia passar para a última lâmina.
Para recuperar essa linha do tempo, o Ministério da Cultura foi criado em 1985. Em 1986 foi criada a Lei Sarney, a primeira lei de fomento à cultura no País; em 1990 o governo Collor suspende a Lei Sarney; em 1991 cria a Lei Rouanet, dentre os motivos, porque precisava de mais apoio político e tudo mais; em 1998 uma medida provisória cria a renúncia de 100%; de 1991 a 1998 não havia os 100% de renúncia, só 30% (obviamente que o quadro da captação mostrava que na captação total 30% era renúncia fiscal, era dinheiro público, e 70% era dinheiro privado, associado ao dinheiro público); em 1998 foi criada a figura dos 100% e em 1999 já saltou para 60% de renúncia fiscal e 40% de recurso público; em 2001 já se estabeleceu 90% de renúncia e 10% de dinheiro público, distribuição que se mantém até hoje; em 2006, regulamenta-se a lei (o primeiro decreto só surge em 2006); em 2009 o MinC propõe um aperfeiçoamento, uma mudança da Lei Rouanet. O MinC foi à consulta pública, percorreu as cinco regiões do País, quatorze capitais (esta é a 15ª que estamos percorrendo), mais de 7.300 pessoas em debates, mais de duas mil contribuições de artistas, produtores, institutos, seja pela Internet, através de documentos de coletivos setoriais, enfim, vários canais, que estão sendo sistematizados, tem uma força-tarefa montada no Ministério que está tratando, organizando por tema essas duas mil contribuições – na semana que vem a gente vai começar o trabalho de redação final desse documento, a partir dessas contribuições, e tem de tudo que vocês possam imaginar, mas são contribuições extremamente relevantes, muito bem elaboradas, de pessoas que realmente pensam cultura há bastante tempo e sabem o que estão falando.
Em relação à proporção, como já foi dito, 80% do financiamento passa por aí. A ideia (ininteligível) reduzir a renúncia, disciplinar lá e aumentar o Fundo Nacional de Cultura. Como eu estava falando antes, política pública setorial é sempre financiada com fundos nacionais setoriais. Nós temos um fundo nacional que ainda não está estruturado. A proposta é estruturá-lo em fundos setoriais – já fizemos um piloto no ano passado com o fundo setorial do audiovisual, que está funcionando, tem um comitê gestor próprio. A ideia é que o Fundo Nacional de Cultura seja dividido em seis fundos setoriais: de artes, de audiovisual (que já existe), patrimônio e memória, livro e leitura, diversidade, cidadania, acesso e um fundo de equalização para ações transversais ou que não encontrem naturalmente uma calha própria.
Esse é outro problema da lei. A Lei Rouanet tentou trazer no seu corpo a descrição de todo o universo possível de linguagens artísticas. E o que acontece? Estão falando de um campo dinâmico, novas linguagens surgem, e obviamente as que surgiram a partir de 1991 não encontram acolhida na lei, como a cultura digital, por exemplo. Se você tenta colocar num corpo da lei… esgotar todo o universo de atendimento que pode ter, a sua lei tem uma vida mais curta, porque você não vai conseguir dialogar uma realidade. Novas formas de apoio vão surgir, novas demandas vão surgir e você não vai ter elementos legais para acolhê-la.
A participação privada no apoio às atividades culturais do Brasil é importante, porém, o que a lei hoje estabelece? Que só tem duas faixas, de 30% e de 100%, e que você se encaixa num percentual ou no outro, em função da linguagem do seu projeto – basta ser um projeto de música erudita para estar com 100% de renúncia. Ninguém entra na questão do impacto daquele projeto no território, se é economicamente viável ou não.
Enfim, tem uma série de outros atributos relacionados a um projeto, para além da linguagem a que ele está associado, que tem que ser considerada na hora de destinar recurso público, até porque algumas iniciativas não serão nunca autossustentáveis, sempre precisarão do apoio do Estado. Agora, tem outras que podem precisar de uma alavancagem e conseguir a (ininteligível) em médio prazo; tem outras que não precisam nem de alavancagem, já são de partida autossustentável e têm que ser tratadas dessa forma, inclusive apoiadas por política pública de desenvolvimento econômico, isso é natural.
Fim do risco de dirigismo. Nós temos hoje já funcionando dois órgãos colegiados ligados ao Ministério, o Conselho Nacional de Políticas Culturais e a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura. A Comissão já existe desde que a lei foi criada. Já há bastante tempo ela vem contando com a chamada pública em edital, em que entidades de atuação nacional podem se habilitar e indicar nomes. É assim que ela é composta, ela foi recomposta agora em fevereiro para o próximo biênio dessa forma.
Nunca ouvi nenhuma crítica ou acusação de dirigismo ou de incompetência ou de falta de representatividade, de legitimidade em relação à Comissão Nacional. Ela é composta paritariamente – são especialistas da sociedade, representantes setoriais que estão ali representados e governo, meio a meio, e funciona bem.
Eu presido essa Comissão já há dois anos e não tenho críticas a fazer com relação a esse modelo, à forma como funciona. Na verdade, a ideia é transportar esse modelo de participação para comitês gestores dos fundos setoriais. Ou seja, dentro do Fundo Nacional de Cultura o Fundo Setorial das Artes terá um comitê gestor setorial paritário, sociedade e governo, para poder observar não apenas o comportamento da execução do fundo (hoje ele não é visto, é uma gestão exclusiva do Ministério, não tem participação social na administração do FNC), passa a olhar o comportamento do FNC e da renúncia fiscal, porque não há como você fazer uma gestão eficiente se não tiver a visão sistêmica do financiamento para aquela área, porque, eventualmente, pode estar indo muito através de um mecanismo insuficiente a partir do outro.
Esses comitês gestores setoriais vão se encontrar numa grande Comissão Nacional de Incentivo à Cultura que não vai ser operadora, não vai aprovar os projetos, vai, sim, definir normas e critérios para que os fundos setoriais funcionem e, obviamente, avaliar o resultado e o desempenho desses comitês gestores setoriais. Por decreto, inclusive, o Conselho Nacional de Políticas Culturais é quem define as diretrizes de financiamento para a Cultura. Então, as grandes diretrizes partem do Conselho Nacional para a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura. Essa Comissão define em que condições essas diretrizes serão perseguidas e atingidas, e os comitês gestores é que vão operacionalizar. E todas essas instâncias são com participação paritária da sociedade, isso em lei, para que não haja risco de eventualmente alguém tentar tirar essa conquista.
Como já mencionei, o único diferenciador que tem é a linguagem, é ela que define se vão ser 30% ou 100%. Não se permite a gestão adequada de incentivo fiscal. Por quê? Porque se tem um projeto de música clássica, um concerto de música clássica acontecendo no interior de Santa Catarina, por exemplo, ainda que com entrada franca, ele vai ter tanto os 100% quanto o que tem ingresso a R$ 100,00 no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Só que o patrocinador vai escolher qual, vai escolher, obviamente, aquele que dialoga com o seu público de interesse, que oferece mais retorno de imagem. Então se o espírito da lei é você poder agregar renúncia fiscal a um projeto para que ele se torne mais atrativo para a conquista de patrocínio, esse espírito foi transgredido com o advento dos 100%, esse nivelamento tratando falsamente como iguais projetos completamente diferentes, porque têm impactos diferentes, têm relevâncias diferentes e têm capacidade de atração de patrocínio diferente. Então, é importante que a lei permita uma gestão adequada dos incentivos da renúncia para incentivar projetos.
Por fim, uma citação curiosa: “A Lei Sarney se limitava a cadastrar as empresas e tudo mais era livre. Por mais simpática que seja, na prática isso levou a uma série de distorções. (…) Estou me referindo a distorções como shows no Canecão e livros luxuosos de finalidade promocional, tudo feito com o dinheiro do Imposto de Renda. A nossa prioridade, então, não vai ser o cadastramento de empresas e sim a análise de qualidade dos projetos culturais. Essa avaliação dos projetos torna o processo mais lento, mas é necessário, para evitar distorções.” (Cópia fiel.)
Essa citação é de Sérgio Paulo Rouanet, autor da Lei Rouanet, em 18 de agosto de 1991, quatro meses antes da publicação da Lei Rouanet. Ela está completamente atual dialogando com o debate que a gente está fazendo, ou seja, a nossa proposta em essência também é resgatar o espírito da Lei Rouanet, é, a partir dessas mudanças todas sofridas ao longo do tempo e da necessidade de um certo freio de arrumação nesse momento, recuperar exatamente a correção de uma série de distorções caracterizadas.
Muito obrigado. Até a próxima. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (deputado Dirceu Dresch) – Muito obrigado, doutor Roberto.
Nós queremos registrar a presença do deputado estadual Padre Pedro Baldissera, a quem convidamos para fazer parte da mesa; da suplente de deputada Ângela Albino; do senhor Luiz José da Silva, diretor cultural do Município de Águas Mornas; do senhor Arli Sagas, diretor de Cultura do município de Governador Celso Ramos; do senhor Didi Maçaneiro, diretor da Fundação Cultural de Brusque; do senhor Aldair Carvalho, diretor de Cultura do município de São Francisco do Sul; da senhora Letícia Boing, diretora de Cultura do município de Itapema; do senhor Charles Alexandre Colzani,  diretor de Cultura do município de  São José; do senhor Fabiano Teixeira dos Santos, representando o Iphan; da senhora Jane Francisca Campos,  representando a Prefeitura de Palhoça; do senhor Artur de Bem, representando o vereador Márcio de Souza, de Florianópolis; do senhor Ricardo Marques Almeida, representando a senadora Ideli Salvatti; do senhor Murilo Silva, representando o deputado estadual Padre Pedro Baldissera; do senhor Edison Fattori, secretário do Funcine; do senhor Walter Tavares, representando o porto de Laguna; do senhor Paulo Brum  Ferreira, assessor especial do ministro da Cultura; do senhor Thiago  Skárnio,  representando a Ação Cultura Digital do Ministério da Cultura; do senhor Mário Osny Rosa, representando a  Aliflor; do senhor Julio César Bach, da Sociedade Musical e Recreativa da Lapa; do senhor Guilherme Petri, representando a Central Única das Favelas/setor audiovisual; da senhora Nilce da Silva, representando a Áprika Cooperativa de Arte; do senhor Gilberto Bordão de Moura, diretor comercial da HB Editora; da senhora Fábia Haferman; representando o Centro Cultural Escrava Anastácia; do senhor Ernani de Morais Kurtz, diretor do Clube do Choro/Florianópolis; do senhor Célio Gonçalves Ferreira, presidente do Instituto Polyphonia; da senhora Marilene Venerio, da Turma  do Papum; do senhor Bruno Anselmo Campagnholo, representando a prefeitura do município de Camboriú; da senhora Flávia Fernandes, representando a Associação dos Artistas Plásticos de Santa Catarina; do senhor Sebastião Carlos de Andrade Machado, da Ordem dos Músicos do Brasil/Conselho Regional de Santa Catarina; do senhor Drauzio Annunciato, representando a Unis Consultoria em Cultura e Sustentabilidade; da senhora Adriana Niehues, representando a TV Floripa/Ponto de Cultura e os Pontos  de Cultura de SC; do senhor André Carreira, diretor do Centro de Artes  da Udesc; do senhor Leone Silva, presidente da Federação Catarinense de Teatro; e da senhora Rea Silvia Barbosa, representando a Fundação Cultural de Criciúma.

Passamos agora para as inscrições.
Solicito ao deputado Sargento Amauri Soares que nos auxilie na coordenação dos trabalhos.
Gostaria de pedir a compreensão de todos no sentido de serem breves nas suas manifestações, para que mais pessoas tenham oportunidade de falar.
Com a palavra o primeiro inscrito, o senhor Ernani de Morais Kurtz.

O SR. ERNANI DE MORAIS KURTZ – Boa-tarde a todos.
Doutor Nascimento, escutando a sua explanação, ficamos surpresos com várias distorções nessa prática que existe no Brasil, infelizmente.
Quero registrar aqui que represento o Clube do Choro de Florianópolis e tive a honra de ser o principal fundador do Clube do Choro de Porto Alegre. Então, eu tenho uma tradição na música popular brasileira. Não sou músico, infelizmente, mas sou apreciador da música. E o que vejo hoje na nossa sociedade, na mocidade, nos jovens, nos estudantes, é que existe uma distorção muito grande na música popular brasileira. Veja: 100% da música clássica… O Brasil não tem tradição na música clássica, ela foi trazida da Europa pelos nossos antepassados. Por isso, não se justifica essa vantagem que existe para a música clássica, a música erudita, em detrimento da música popular brasileira, que é nossa. O chorinho, por exemplo, é o único segmento de música popular realmente brasileira. Isso é verdade. Os senhores talvez não saibam, mas o choro, depois do samba, dentro do segmento da música popular brasileira, é eminentemente brasileiro.
O que vemos na mídia? Hoje, você vê uma criança ouvindo hip-hop, um negócio que não tem lógica, aquilo ali não é arte! Pode ser uma coisa diferente, mas nós recebemos da mídia do estrangeiro aquele… Desculpem a expressão, mas é um lixo. Tem muita gente… Eu falo inglês, mas não sei o que estão dizendo, por exemplo, as músicas que vêm do estrangeiro, a música americana, enfim, tudo isso. Acho um absurdo.
Outro exemplo: os canais que transmitem gratuitamente música ambiente num supermercado só têm música estrangeira! Deveria ser ao contrário, ser colocada a música popular brasileira.
É essa a minha inconformidade.
Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento  Amauri Soares) – A partir de agora vou assumir a presidência dos trabalhos, conforme acordado no período da manhã, em virtude de um compromisso assumido pelo deputado Dirceu Dresch no extremo oeste.
Gostaria de registrar a presença do senhor Ademar Maçaneiro, secretário de Cultura da cidade de Nova Trento.
Seguindo a ordem das inscrições, com a palavra o senhor João Luiz, o Gão.
Antes de passar a palavra ao Gão, gostaria de pedir a compreensão de todos no sentido de usarem no máximo três minutos, para que mais pessoas possam fazer uso da palavra.

O SR. JOÃO LUIZ (GÃO) – Eu sou líder da favela da Ponta do Leal, no Estreito. Há 27, 28 anos moro lá. Tem outras favelas, nós temos 65 favelas aqui em Florianópolis.
Esse encontro aqui fala de uma coisa bem mais ampla, mas eu parto do núcleo da situação. Alguém falou aqui sobre de onde nasce a cultura ou coisa parecida. A cultura nasce nas favelas, seja o hip-hop, que foi discriminado no momento… Acho que temos que respeitar todas as culturas, seja maracatu, seja capoeira, seja macumba, seja candomblé.
Eu falo da minha arte porque sou negro e moro na favela. Não venho aqui defender classe nenhuma, só acho que tudo tem que ser respeitado diante do que se apresenta.
Eu vejo que os projetos apresentados ao Ministério da Cultura, principalmente da nossa parte, da classe baixa, como é chamada pela sociedade organizada… Nós temos um problema muito grande em relação à aprovação dos nossos projetos. Para nós é muito difícil escrever projetos, não temos muito entendimento, somos detentores da arte, não sabemos passar para o papel, ainda que com entrada franca, vamos sofrer a ação de um monte de ONGs, que vão querer ganhar nas nossas costas. Eu acho que teria que ter dentro dessa cláusula que vai ser apresentada ao governo uma forma mais simples de o Ministério da Cultura aprovar e até analisar esse tipo de projeto que vem das favelas.
Veja bem o senhor: qual é o trabalho que nós fazemos nas favelas? Eu trabalho com maracatu e com capoeira, que foi tombada como patrimônio histórico, mas hoje não tem como transformar a situação do capoeirista em profissional, porque essa emenda é federal, e aí o que acontece? Sendo federal, tem que começar o trâmite… Eu até falei com a Ângela Albino na época em que ela era vereadora e perguntei como a gente poderia fazer. Agora não tem como, porque foi tombado – essas não são palavras dela, foi uma pesquisa que eu fiz. Não tem como fazer a capoeira ser passada para profissional, porque foi tombada como patrimônio histórico. E aí eu pergunto a vocês: e os mestres de capoeira, como o João Pequeno e outros de 70 anos, de 80 anos? Eles estão morrendo na miséria! Se não fossem os alunos, que fazem eventos para eles darem palestras, sentadinhos, porque não conseguem jogar mais, pagando mil reais, e seis meses depois chamá-los de novo, eles morreriam de fome!
Vejam bem vocês: os mestres de capoeira não estão vindo agora pedir mil reais. É um processo; eles investiram na cultura do País, tanto que a capoeira foi tombada como patrimônio histórico! Não é uma coisinha que nasceu ontem.
Então, nesse trabalho que a gente faz, a gente entra na favela; nós (ininteligível) direto com os traficantes.
O senhor estava falando sobre renúncia fiscal. É um troço até interessante. Na verdade, não conheço muito bem esse negócio de financiamento, o meu negócio é mais na prática, mas acho que deveria ter um incentivo mais direto do governo dentro das favelas para evitar até mesmo a violência.
Como o senhor colocou, uma coisa tem que ganhar e uma coisa tem que perder. Se a cultura não ganha, quem ganha é a violência. Isso é fato! Cada criança que eu trago para o maracatu, para a capoeira, é uma a menos para o traficante trabalhar.
Eu tive um contato com a doutora Anita Pires, que estou conhecendo agora, só conversei com ela por telefone… Na Marinha tem um projeto de natação para 120 crianças, 30 da minha comunidade e 90 da Chico Mendes, outra comunidade grande que tem aqui, que tem problema de inclusão social. Nós não conseguimos fazer o projeto porque não tínhamos ônibus para transportar essas crianças. Um projeto de graça! E o que aconteceu com essas crianças? Vão lá para ver! Criou-se uma nova geração de crianças com piercing no nariz, tatuadas e vendendo crack. E aí de quem é a culpa? Não é culpa de ninguém, só que eu acho que está havendo falta de consenso, e consenso das autoridades, que são os detentores da história, os detentores do poder, que devem investir na favela assiduamente para que a gente possa fazer o nosso trabalho de forma digna.
A Franklin Cascaes trabalha com a gente ali na comunidade com o Boi de Mamão e já trabalhou comigo há algum tempo com o maracatu. No outro dia, eu perguntei à Roseli o que a gente poderia fazer com o maracatu e ela me disse que o que poderíamos fazer era trabalhar seis meses em uma comunidade e seis meses em outra. Aí eu pergunto: e a expectativa de vida para essas crianças, culturalmente falando? Deu seis meses, pronto, vai embora, e aí vai fazer o quê? A criança fica lá no marasmo e daqui a pouco vai cair no tráfico! Então, essa é a preocupação. Nós não podemos dar um incentivo para a criança, criar uma expectativa e depois simplesmente esquecer porque o governo lançou um novo programa e porque você não tem dinheiro. Nós, moradores de favela, não temos apoio do governo, não temos apoio do Estado. Agora temos ali o Boi de Mamão. A Márcia está há dois anos com a gente lá, tirando do seu bolso, só agora a Franklin Cascaes está apoiando, mas e daqui a seis meses, como vai ficar?
Então, são fatos que a gente conversa, vê os slides, esse negócio todo, mas eu queria que vocês olhassem o núcleo da situação. Aqui em Florianópolis tem 65 favelas com problema de inclusão social e não são assistidas, a não ser por uma maldita cesta básica, um tipo de inclusão social que só atende a exigência do Estado e do Município, o que realmente tem que ser feito, que é trabalhar dentro das famílias, não acontece. A partir do momento em que você consegue entrar numa favela e trabalhar com uma criança, você entra na família, porque uma mãe não vai deixar seu filho ir com um cara estranho, não. A partir do momento em que você começa a conviver com essa situação, você passa a ser íntimo na favela, a ter muito mais condições de trabalhar, mas só que todo mundo precisa de dinheiro. Eu duvido quem consegue manter um projeto de inclusão social sem receber no mínimo R$ 300! Eu pertenço ao grupo de maracatu Arrasta Ilha. Nós levamos no peito e na raça o maracatu na Vila Cachoeira, no Morro da Caixa, na Ponta do Leal. Por amor à arte! Nós não recebemos nada. Nada! Quando chega o carnaval, ainda temos que tirar dinheiro do bolso para comprar a nossa fantasia!
As coisas são faladas de forma linda, mas é mais embaixo. Eu sempre faço esse debate. Outra vez eu já fui taxado de chato, mas sou chato porque sofro essa ação, não fico atrás de mesa, de gravata, assinando relatórios. Eu moro na favela e sei o que acontece lá, eu sofro a ação diretamente. Então, cada um geme a sua dor. Não quero ser ignorante, não quero ser agressivo, não é essa a minha intenção, só que temos que parar com essa folia de fazer o mundo… Como foi colocado aqui: Beverly Hills, mas estamos falando da favela! (Palmas.)
Eu quero dizer a vocês que a forma de expressão dos moradores de favela não é ser agressivo, cada um fala a forma da sua vivência, e a minha vivência é essa, eu não tenho endereço residencial, eu não tenho água registrada, eu não tenho luz registrada; logo, não tenho emprego, sou negro, sou favelado, sou excluído. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento  Amauri Soares) – Eu gostaria de registrar a presença da senhora Débora Carla Melo e Pimenta, representando a Secretaria de Cultura,  Esporte e Turismo de Tubarão.
Quero informar que temos treze pessoas inscritas. Para que a gente encerre esta audiência pública num horário relativamente viável para a maioria das pessoas aqui presentes, precisamos encurtar o tempo de fala. Vamos ver se é possível fazer isso já.
Consulto a plenária se concorda que terminemos as inscrições ao final da próxima fala. (A plenária concorda.)
Com a concordância de todos, após a fala do senhor Nelson Mota encerraremos as inscrições.

O SR. NELSON MOTA – Boa-tarde a todos.
Na verdade, a gente vive uma situação sui generis, conforme a explanação do Nascimento aqui. O Brasil tem o ministro da Cultura, que tem 20% do orçamento, e temos mais outros cinco ou seis ministros que têm 80% do orçamento, que é o caso da Petrobrás, do Banco do Brasil, da Caixa, da Eletrobrás, dessas estatais aí.
Então, eu queria perguntar para o Nascimento como está esse debate com esses grandes financiadores aí, como está o nível de consenso e dissenso entre as estatais, que setor que tem 80% da “bufunfa”.
Eu também queria saber o que vai rolar daqui para a frente, qual a expectativa do Ministério daqui para a frente, porque nós estamos… O Congresso Nacional é esse que estamos vendo aí: não vota nada! Cultura é um tema que não agrada muito deputado, não dá voto para deputado nenhum, nem para senador. Então, como isso vai tramitar no Congresso, qual a expectativa de vocês, e ainda o seguinte: o ano que vem é um ano eleitoral, então esse projeto vai para o Congresso agora, se não me engano, em junho. Se ele não for votado nesse segundo semestre, acabou!
Então, quero saber qual a expectativa que o governo tem em relação à tramitação do projeto no Congresso Nacional.

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento  Amauri Soares) – Muito obrigado.
Quero registrar que temos agora quinze inscrições.
Com a palavra o próximo inscrito, o senhor André Carreira.

O SR. ANDRÉ CARREIRA – Eu queria fazer uma pergunta, mas antes quero fazer um par de comentários ao secretário. Na verdade, não dá para a gente não estranhar a inclusão do número 15 ao vivo. Pessoalmente, como produtor cultural daqui, é um pouco duro ver a gente ser incluído ao vivo. Por quê? Porque isso significa que a gestão desse procedimento, que é melhor do que os anteriores, a capital do Estado não reconheceu no primeiro momento, quer dizer, deve ter mediado alguma intervenção política posterior, que foi positiva, para nos reunir, inclusive porque a data de fechamento da audiência pública, digamos, a digital, foi dia 6. Desta reunião sairão muito boas ideias que não vão terminar no site do Ministério, até porque algumas pessoas não sabiam que existia isso, o que é natural, porque isso aqui convoca muito mais do que a divulgação anterior. Então eu acho que é importante registrar, como produtor cultural que trabalha em Florianópolis, que a gente deveria estar entre as 15 e 20 desde o começo. Não por que a gente é uma capital, mas é o âmbito da discussão, como acho que algumas outras capitais que não estão incluídas entre as 15 deveriam reivindicar esse trato, porque a ideia da descentralização supõe isso, vir aqui num período parecido.
Eu acho que isso precisava ficar registrado, porque a política da descentralização proposta pela nova lei, por essa administração do Ministério é muito positiva, mas deveria contemplar essa preocupação.
Outra coisa que eu queria comentar é que da explanação que o secretário fez e dessa explicitação de que existe uma grande concentração, de R$ 9,00 para R$ 1,00, que são realmente de recursos públicos, acho que precisa ficar evidente que é fruto de uma gestão de governo, porque se a Petrobras, a Eletrobrás, todas essas empresas grandes são agentes concretos dessa concentração, é porque a Casa Civil, o gabinete, não disse: “Olha, não pode concentrar.” Pega o telefone e diz: “Gabriele, não pode concentrar.” Quer dizer, tem uma política de governo, então a mudança da lei é positiva, porque, inclusive, contra-ataca uma política atual do governo, que é permitir a concentração, porque não é possível dizer que são R$ 9,00 sem supor que as estatais são parte do braço político do governo. Acho importante a gente lembrar disso. Quer dizer, quando a Petrobras decide botar muito dinheiro nas produções do Rio e de São Paulo, é uma política de governo, não é uma política por acaso, não é consequência da Lei Rouanet, é consequência de uma gestão. E acho importante que a lei atual, que não está em discussão aqui artigo por artigo, deixe claro que essa política deve migrar da empresa, inclusive do governo, para ser uma política de Estado.
Portanto, o que me parece interessante reforçar na lei é dar mais poder de decisão aos comitês de gestão de fundo, e aí me parece questionável uma comissão paritária, que é metade governo e metade sociedade, porque ela também permitiria uma paridade que não sei se é a mais sadia, se a proporção é essa – não tenho muita clara essa discussão, mas me parece que a proporção poderia ser discutida.
Acho que um aspecto importante da nova lei é considerar qual a política estatal para a eliminação da intermediação da gestão entre o artista, o produtor concreto, que no dia-a-dia precisa do recurso para fazer gerir a sua produção artístico-cultural, seja ela como empreendimento, seja ela como investimento cultural a fundo perdido, e o Estado. Porque a lei criou um mecanismo intermediário de gestão entre eu que faço e a liberação de recurso, gerou, como tudo, uma burocracia, que gera os especialistas, e uma parte importante do recurso, que deveria chegar à ação real, fica perdida no meio, na intermediação.
Também queria ouvir mais do secretário sobre essa questão do trato com a questão da intermediação. Falo isso sem considerar que a intermediação é um problema moral. É só um problema de gestão, é perda de dinheiro, quanto menos gestor tem para tirar carteira de motorista, mais fácil é se transformar num cidadão habilitado.
O senhor falou da questão de que não é dirigista. Agora, sem ir diretamente à questão dos artigos da lei, uma forma de dirigismo que tem sido permanente é a indução à contrapartida social. Quando eu faço avaliação de alguns projetos em comissões da Funarte e em outros eventos, vejo, nos últimos dez anos, pelo menos, um crescimento incrível da tentativa do autor em justificar que o trabalho que está propondo tem contrapartida social, e muitas vezes a contrapartida social soa absolutamente artificial, porque esse projeto vai ser ouvido pela Petrobras e o outro não. E acho que essa é uma forma indutiva (talvez não dirigista) de selecionar.
Então, nesse novo perfil da lei, onde entra – ou pelo menos como o senhor e a equipe estão pensando… Poder permitir que haja um incentivo, a ação é de contrapartida, mas não ser condicionante, porque um problema importante é que muitos realizadores não têm como fazer honestamente contrapartida, mas, por exemplo, em alguns editais você inventa(?) a contrapartida, faz teatro no raio que o parta e dá R$ 20 mil de entrada de graça, porque sabe que ninguém vai lhe cobrar. Quer dizer, induz a um patamar de corrupção com a questão da contrapartida, quando alguns outros projetos, necessariamente, têm contrapartida, ainda que não tão implícita. Eu acho que é um elemento de indução.
Por último, eu queria dizer que acho que a organização deste evento é muito importante, e o secretário, ao ser convidado para isso, também vai presenciar uma condição de uma situação do Estado de muita dificuldade em discutir a gestão da cultura, a dificuldade de haver canais fluidos para fazer tal discussão, que vão aparecendo nessa condição de uma consulta pública como a que está proposta, que é muito positiva.
Então, eu acho que algumas das coisas que foram apresentadas como deformações do sistema não são particulares da gestão de Brasília, mas de todos os Estados, em alguns lugares mais agudas, e quando se mostrou a questão da dança e pareceu meio hilário, evidentemente estávamos todos rindo da concentração de que alguns projetos que têm uma relação direta com algum tipo de institucionalidade, evidentemente, concentram um esforço financeiro, facilitam o esforço financeiro.
Eu acho que um pouco do que o senhor vai ouvir tem a ver com essa condição também, que é local.
Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento Amauri Soares) – Muito obrigado.
Com a palavra a senhora Tânia Maria Piacentini.

A SRA. TÂNIA MARIA PIACENTINI – Boa-tarde a todos.
Primeiramente quero dizer que estou representando o nosso escritor Salim Miguel, que pediu que eu transmitisse ao senhor secretário e à mesa que teve um problema inadiável para atender, mas enviará à Secretaria a sua colaboração para o aprimoramento da Lei Rouanet, por e-mail, diretamente ao Ministério. [Taquígrafa-revisora: Dulce]
E nós todos sabemos que Salim Miguel tem, realmente, muito a ensinar a todos nós pela sua atuação ao longo de toda a sua vida de grande batalhador cultural.
Eu sou da Sociedade Amantes da Leitura, da Biblioteca Barca dos Livros, que desde 2006 luta diariamente para continuar de portas abertas, porque nós estamos naquela quantia que pôde começar a usar a conta, e não conseguimos ainda, três anos depois, o recurso para fechar o projeto. Temos outros aprovados, mas continuamos passando o chapéu. Isso nós pleiteamos sempre (como todas as outras áreas), primos pobres, pleiteamos sempre a criação do fundo que está sendo batalhado, do Fundo Nacional do Livro e da Leitura – a Secretaria do Livro e da Leitura, que está paralisada há vários anos.
Então somos também favoráveis, exatamente, a uma reformulação dessa lei porque, infelizmente, com todos os erros, ela é ainda a única que nos permite a sobrevivência em alguma escala.
Muito obrigada. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento Amauri Soares) – Por solicitação do secretário, ao final deste bloco de quinze minutos nós passaremos para ele responder às questões que foram colocadas.
(Manifestação da plenária no sentido de antes ser passada a palavra à senhora Marisa Naspolini, que está grávida e precisa retirar-se do recinto.)
Pois não. Com a palavra a senhora Marisa Naspolini, presidente da Gesto, a associação de produtores teatrais da Grande Florianópolis.

A SRA. MARISA NASPOLINI – Bom, primeiro eu queria parabenizar o Ministério por estar botando em prática uma demanda já bastante antiga, pelo menos do segmento cultural. A gente sabe, desde sempre, que toda essa questão de mudança da Lei Rouanet, decididamente, geraria muito impacto e muita discussão.
Particularmente, no segmento teatral ao qual eu pertenço, a gente vê que tem uma grade confusão em torno das mudanças efetivas. Como o Nascimento colocou bem, esse tipo de desvio que está acontecendo no Brasil há muito tempo tem colocado o segmento teatral na mídia, reclamando e se posicionando contra algumas mudanças, sempre usando o argumento de que o Ministério estaria agindo com dirigismo para justificar a situação de alguns poucos produtores localizados no eixo Rio-São Paulo, em alguns bairros como o Leblon etc.
Essas pessoas (esse grupo de produtores, diretores, artistas) têm muita visibilidade na mídia e têm falado em nome do segmento teatral como um todo. E às vezes o próprio segmento teatral acha que tem lido erroneamente as mudanças propostas pelo MinC, achando que todo o teatro vai estar sendo prejudicado – todo o teatro, todas as artes cênicas. Isso não é, absolutamente, verdade, como ele colocou; por mais problemas que haja na proposta da lei, eu acho que o MinC está fazendo um esforço, parece-me, de clarear e resolver eventuais problemas ainda. Mas a gente tem que ver que existem vários teatros, várias músicas, várias… Essa divisão do segmento não dá conta da enorme multiplicidade de formas de fazer cultura – e certamente, no caso do teatro, vai haver um favorecimento da maior parte da produção teatral no Brasil, porque do jeito que está hoje é a menor parte da produção teatral no Brasil que está sendo favorecida.
E não me parece também que essa pequena parcela vai ser, simplesmente, alijada do financiamento. Simplesmente, parece-me que o que está se tentando é equalizar um pouco mais as oportunidades de acesso. Então, acho que em todos os segmentos é importante a gente ouvir com bastante atenção as propostas do MinC, para que a gente não continue compactuando com esse grande mal (ininteligível), e que a mídia tem comprado com muita urgência, com muita pressa.
E daí eu queria perguntar um pouco sobre o que, parece-me, tem dado mais pano pra manga… Como esse ranqueamento vai ser feito? Eu tenho lido sobre critérios que o Ministério está estudando para analisar os projetos, para evitar o (ininteligível – famoso?) dirigismo. Insisto nisso porque a gente vê que esse talvez seja o grande perigo do que pode vir com a mudança da Lei.
Vou só citar um exemplo: aqui no Estado de Santa Catarina todo o segmento cultural vem, há uns três ou quatro anos, levantando com bastante ênfase uma série de irregularidades que vêm sendo cometidas no uso do Sistema Estadual de Incentivo à Cultura. Esta semana foi feita uma auditoria pública pelo Tribunal de Contas do Estado, e todas as irregularidades que o segmento vem levantando há quatro ou cinco anos foram levantadas pelo próprio Tribunal de Contas – e tem coisas absurdas que deixam a gente com vergonha de estar mantendo esse sistema aqui assim. Desde projetos que são aprovados sem a participação do Conselho, falta de pareceres condizentes, falta de protocolo, uma comprovação muito nítida de uso de quotas do governador, de inexistência de procedimentos de tramitação, de influência política na seleção dos projetos. Então, acho que quem tem tido medo de perder o espaço com a reformulação da Lei está se apoiando nesse tipo de possibilidade, que esse tipo de coisa venha à tona.
Não acredito que com o modelo que vocês estão propondo isso realmente venha a acontecer, mas como aqui no Estado está acontecendo há bastante tempo (e é uma pena), eu queria que você explicitasse um pouco como vocês estão pensando em fazer para que isso não aconteça. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento Amauri Soares) – Nós vamos devolver a palavra ao Roberto Nascimento pelo tempo de dez minutos, que foi o que ele solicitou para minimamente dar uma pincelada em cada uma dessas questões colocadas.

O SR. ROBERTO GOMES DO NASCIMENTO – É, foram bastantes questões levantadas aqui, rapidamente, por cinco ou seis participantes, mas todas extremamente relevantes.
Nem sei por onde começo exatamente, mas em linhas gerais quero dizer o seguinte – e acho que isto vale para todos: tem uma expressão popular que diz que o uso do cachimbo deixa a boca torta. Ao longo desse período todo – onde nascemos, nos criamos e nos formamos profissionalmente sob a égide da Lei Rouanet e da renúncia fiscal -, é natural que toda discussão acabe tentando fazer com que a lei ou a renúncia fiscal da Lei Rouanet acabe sendo visualizada como uma panaceia, algo que seja capaz de resolver todos os problemas da cultura do País – o que não é verdade. A renúncia fiscal tem problemas, tem limitações da sua natureza, necessidade de envolvimento do setor privado, e ela não vai ser capaz, nunca, de dar conta de todas as dificuldades e problemas que ela própria criou. É necessário que haja, realmente, fortalecimento do Fundo Nacional de Cultura.
Quando o Gão vem aqui e… ele está por aí?
(Manifestação da plenária: “Está ali”.)
Ah, está aí! Ele veio aqui e fez a fala dele, enfim, se colocando como um excluído – que é, de fato, porque não consegue ter acesso à Lei Rouanet e, possivelmente, também ao Fundo Nacional de Cultura (não sei se já tentou). Mas, efetivamente, a Lei Rouanet é uma coisa que vai ser difícil, porque para conseguir que a empresa se sinta atraída por você, você tem que oferecer alguma capacidade de agregar valor à marca, ou coisa desse tipo.
(O senhor João Luiz (Gão) manifesta-se fora do microfone: “Mas nós estamos na marginalidade.”)
O problema é o seguinte: quando isso se torna quase que um mecanismo exclusivo para obter financiamento, aí é perverso, porque só vai conseguir quem tiver esse atrativo a oferecer. E aí não dá, não tem condição.
Em relação à burocracia, Gão, eu estou de gravata aqui porque o ofício exige – eu preferia não estar, até porque está bem quente aqui também. Mas o fato é o seguinte, a burocracia é para o bem e para o mal. Ela, na verdade, talvez excessivamente exija uma série de ritos e processos em função, inclusive, de abusos e excessos que já aconteceram, para tentar evitá-los.
E o mundo é injusto – quando a gente chegou já era assim, a gente vai embora e ele vai continuar sendo. É outra história. Mas o fato é o seguinte: a grande maioria acaba sendo penalizada pelo erro de alguns. Então, por abuso e excesso de alguns, tenta se blindar e criar mecanismos para poder evitar o mau uso de recurso público, coisa e tal. Nós, como gestores públicos lá no Ministério, enfim, em todos os outros ministérios e secretarias estaduais e municipais, somos controlados por órgãos externos que exigem que tal coisa não seja mais feita dessa forma, tem que se exigir tal documento.
Quer dizer, a gente está tentando, no Ministério, romper com essa lógica fortemente – até porque tem uma dimensão cultural nisso aí também. Inclusive a gente começou a aceitar, recentemente, no edital de prêmios indígenas, a inscrição oral de projetos, porque você não vai pedir IPTU para índio (risos), tampouco pedir para que ele apresente o projeto por escrito. Então a gente começou a ser criticado por isso, mas conseguimos um entendimento pelo programa de controle de que isso era possível, na medida em que um servidor ateste a fé daquela declaração e tudo o mais.
Então, tem jeito? Tem, mas é difícil. Não é simples. O que você está colocando tem muito mais a ver com uma questão que a gente coloca também, que é a necessidade de revisitar o próprio Estado brasileiro e suas instituições. O Ministério da Cultura vem sendo visto como o principal financiador da cultura do País, coisa e tal… Isso não necessariamente tem que ser assim. De Brasília não se enxerga o detalhe da ponta, não se enxergam as reais necessidades dos diversos territórios do Brasil.
As prefeituras e os governos estaduais têm que ser fortalecidos, os fundos municipais têm que ser criados, os conselhos municipais, os conselhos estaduais de cultura – e a sociedade dialogando ali, permanentemente, com isso. O Ministério tem um papel chave, sim, de ser referência, de ser balizador de processos e orientador de ações, de políticas, de tudo o mais – mas, no dia a dia, falta um desenvolvimento federativo no Brasil.
Nós estamos aí – e aí a Marisa que tocou nisso, ela está por aqui também? Ah, sim… O que acontece é o seguinte: nós vivemos um momento que é um breve ato histórico. A gente está saindo de um período longo de obscurantismo de ditadura militar e coisa e tal, e ainda não temos uma democracia consolidada, com tudo pactuado – mas a nossa cultura de democracia ainda não está consolidada. Infelizmente, ainda causa estranheza e é objeto de comemoração a gente botar uma consulta pública. Isso deveria ser a rotina, não deveria causar estranhamento algum, mas causa. É lamentável isso; isso é um indicador de que nós não estamos ainda no grau de maturidade democrática que perseguimos e que devemos continuar batalhando para ter.
Então a gente está vivendo um processo. A vida é um processo – deixa eu filosofar um pouco também, Gão? (Risos.) Mas a gente está entendendo que a história está acontecendo, nós somos parte dela e estamos avançando. A gente vai conseguir criar um instrumento legal que blinde totalmente de qualquer retrocesso? Não. A história já provou que isso não é possível. Na hora em que, eventualmente, forças não democráticas, enfim, querem se impor, isso acontece. Vamos resistir para que isso não aconteça, vamos consolidar essa cultura democrática, essa alma democrática no Brasil para que isso não volte nunca mais!
Mas, sob o ponto de vista de marcos legais, o que a gente procurou fazer foi exatamente isso: deixar que, nos termos da lei, essa participação paritária… Aí, André, eu também não sei, porque a questão é a seguinte: mais do que isso é dizer que a sociedade participa em número maior do que o governo, mas quem responde juridicamente e administrativamente é o governo. Então, eu acho que o máximo que a gente pode avançar… E também essa questão de dirigismo e de medo de retrocesso que a Marisa colocou não está limitada ao Poder Público, não! O setor privado também pode estar, a sociedade também pode se articular em lobbies e em grupos que representem retrocessos.
Então, por vezes, em alguns conselhos que são paritários, a posição de governo é muito mais de vanguarda do que a da sociedade! A sociedade, eventualmente representada, está mais conservadora do que o próprio governo. Eu já vi isso em inúmeras situações. Então, no mínimo, vamos deixar equilibrado, vamos ver como é que se comporta dessa maneira, mas deixar esse peso definido na lei, porque eu acho que isso é o mínimo que pode ter. Tomara que um dia a gente consiga avançar, inclusive, sob o ponto de vista de responsabilização administrativa dos gestores e tudo o mais, que são os que estão fazendo a ordenação de despesa ali. A decisão de: “Ah, vamos botar aquilo ali” é uma decisão que pode estar em ata e tudo o mais. Mas quem assina o cheque é quem responde, eventualmente, por uma decisão errada. Então acho que, minimamente, é entender que existe uma responsabilidade a ser compartilhada e carregada.
Gão, só para completar: você conhece a Cufa? Tem Cufa aqui em Florianópolis também, eu sei, eu até tinha ficado de…
(O senhor João Luiz (Gão) manifesta-se fora do microfone: “Estava presente aqui.”)
Estava presente aqui? Então, a Cufa é uma grande parceira do Ministério. Eu conheço a Cufa já de longa data, e está fazendo um trabalho maravilhoso – inclusive, junto com o Pronasci. O Ministério tem um trabalho chamado Mais Cultura, que trabalha junto com o Pronasci no Ministério da Justiça, e com o Mais Educação, da Educação, que está fazendo uma série de intervenções em espaços de doença deflagrada e coisa e tal, para incorporar o equipamento público – exatamente trazer a rapaziada, tirá-la da violência, trazê-la de forma sustentável para uma programação permanente, continuada e tudo o mais. Esse canal está aberto, vale a pena a gente estar conversando depois e ver como esse programa pode estar chegando aqui, se aprofundando. Está chegando já, através do Edital Pontos de Cultura, mas…
(O senhor João Luiz (Gão) manifesta-se fora do microfone: “Não é permitido um espaço na sua fala não?”)
Eu não sei, não sou eu que presido a mesa…
(O senhor João Luiz (Gão) manifesta-se fora do microfone: “O que eu estou falando não são das comunidades organizadas. Eu estou falando de comunidades tipo a favela do Brejaru, tipo outras favelas pequenas que não têm o mínimo de organização e que para fazer o trabalho cultural você tem que ir lá dentro. É disso que eu estou falando.”)
Eu sei…
(O senhor João Luiz (Gão) manifesta-se fora do microfone: “A Cufa faz o trabalho com a comunidade organizada, mas eu estou falando das favelas que não têm nem liderança ainda, e que a gente entra lá no peito e na raça. É disso que eu estou falando.”)
Eu sei. Eu compartilho da sua angustia, seu Gão, mas a gente vai até onde dá. Não tem… O Brasil também é muito maior do que isso e, infelizmente, os problemas são bem maiores e acho que avanços estão sendo colocados e estão sendo feitos, mas o passivo é muito grande.
Com relação à questão das estatais, também, que o Ernani comentou e acho que mais alguém aqui comentou também, o próprio André… As estatais representam cerca de 30% de todo o valor na captação nacional. Não é a maioria. A grande maioria dos recursos da renúncia fiscal vem do setor privado. Dentro das estatais, a Petrobras é a empresa que tem o maior edital de patrocínio do mundo, edital de seleção pública. Nenhuma outra empresa tem, na qualidade e na envergadura que tem o edital da Petrobras. Só este ano serão R$ 60 milhões ou R$ 80 milhões num único edital.
Então eu acho que as estatais têm muito para avançar, mas elas já se deslocaram, em alguma medida, da prática de algumas empresas onde, eventualmente, simplesmente se fala o seguinte: “Se tem o projeto e não tem o artigo 18, nem me apresenta. Eu só vou te receber se você conseguir o artigo 18”. Isso eu sei que todos aqui já devem ter ouvido, de algum lugar – e não necessariamente de estatais, porque elas representam a menor parte desse bolo de R$ 1 bilhão aqui. A Petrobras dispara, dentre as estatais ela é a maior e é a empresa que, individualmente, mais apoia. Mas, ainda assim, ela está dentro dos 30% das estatais. A grande maioria é o setor privado mesmo que faz esse tipo de corte.
Agora, nós estamos avançando. Hoje mesmo, se não me engano, está acontecendo em Recife um evento do Ministério com relação ao Observatório dos Editais, a ampliação da prática de editais. E o Ministério tem um observatório de editais no site, e qualquer um pode ir lá, entrar e consultar. Esses dados todos que eu coloquei aqui (participação das estatais e tudo o mais), o Ministério, a Sefic abriu a base de dados da Lei Rouanet. Qualquer um pode entrar no site lá, no portal do Ministério, buscar projetos, fazer busca avançada (informação de projetos na página principal), e lá dentro você vai encontrar toda a base de dados, toda a série histórica da Lei Rouanet. Você pode fazer mil cruzamentos, procurar quem foi o maior proponente na sua cidade, quem conseguiu, qual foi a área cultural, qual foi… qualquer tipo de informação você consegue lá dentro. Isso também já representa um avanço na lógica da transparência.
Em relação a critérios e ranqueamento… Ah, Livro e Leitura! A Tânia comentou sobre a questão do Livro e Leitura. Tânia, o Fundo Setorial do Livro e Leitura que está sendo proposto nessa mudança está para ser votado, e ele fará parte do Fundo Setorial. Ele será, na verdade, convertido no Fundo Setorial de Livro e Leitura dentro do FNC, como foi o Fundo Setorial do Audiovisual. Eles queriam também a criação de um fundo novo; não foi possível criar um fundo novo e criou-se um fundo setorial dentro do FNC. Nós já temos o Fundo Nacional de Cultura, já há o compromisso de que todas as contribuições setoriais serão destinadas exclusivamente para aquele setor que originou aquela contribuição, ou seja, toda a contribuição que for compor o Fundo Setorial de Livro e Leitura será para a política de Livro e Leitura. Por isso a estruturação do Fundo dessa forma. E, apesar de não ter se criado uma Secretaria de Livro e Leitura no Ministério, hoje existe uma Diretoria de Livro e Leitura dentro da Secretaria de Articulação Institucional (que é o Fabiano, vocês devem conhecer, e que está à frente dessa política lá dentro do Ministério).
Em relação aos critérios que a Marisa comentou, o que nós nos comprometemos desde já é colocar no projeto de lei que está sendo revisto – vale destacar que se entendêssemos que o nosso projeto estava finalizado nem o teríamos colocado em consulta pública, era só encaminhá-lo para o Congresso. A gente não tinha obrigação nenhuma de colocar em consulta pública, e tampouco de estar fazendo esses debates. Enfim, não tem nenhuma lei que obrigue a fazer isso. Estamos fazendo porque a gente acredita nisso e acredita que essas contribuições que vêm concorrem para um documento mais assertivo.
Com relação aos critérios, nós optamos por não colocá-los na minuta do projeto que foi ao ar exatamente porque para fazer qualquer mudança de peso e ponderação de prioridades de atributo, teria que se mexer na lei. E seria mais fácil a gente manusear instrumentos infralegais do que esperar um novo momento para mexer na lei – mas a maior parte das pessoas está preferindo que tenham critérios na lei. Então, nós vamos colocar critérios gerais na lei. Agora, não tem como esgotar todos os universos de atributos e itens de um projeto para poder classificar. Quem tem que fazer isso (e está previsto que seja feito isso) é a CNIC, que vai definir as normas e orientar, por exemplo, que em determinado biênio ou quadriênio o foco é o Livro e Leitura, e os projetos que dialoguem com essa política terão uma pontuação de largada mais favorecida.
Agora, isso tem que ser variável em função da conjuntura. O que a lei estabeleceu é que fulano tem cem, sicrano tem trinta – está há 18 anos dessa maneira. E isso não permite você ajustar ao longo do tempo essas priorizações. O fato de ter sido aqui, André, o 15º debate que está acontecendo, na verdade não existe uma escala de prioridades do Ministério. Nós estamos muito mais respondendo a provocações, nós nos colocamos disponíveis para todos os entes federados. A gente dialoga com o Fórum Nacional de Secretários de Cultura, com o Fórum de Secretários de Cultura das Capitais… existem essas duas instituições que são recorrentemente interlocutoras nossas. E colocamos: “Olha, nós estamos disponíveis; articulem-se, mobilizem o território e a gente vai”. Nós estamos chegando aqui agora, mas já estivemos em outras quatorze localidades.
Agora, isso também dialoga com essa desigualdade, isso é um reflexo dessas desigualdades. Por exemplo, no Norte só consegui ir para o Acre. Nenhum outro Estado conseguiu se mobilizar para organizar uma reunião como esta. É um reflexo dessa desigualdade que está retratada.
(Manifestação inaudível fora do microfone.)
Ah! Manaus e Acre. É, Manaus e Rio Branco aconteceram. Mas Belém não aconteceu, Porto Velho, Boa Vista, Macapá, enfim. Agora, estamos fazendo o que é possível, o Ministério não tem capacidade…
(Manifestação inaudível fora do microfone.)
Fizemos, exatamente. Exatamente. E para estarmos aqui já foi um esforço considerável. Mas não nos furtamos disso, estamos à disposição, estamos querendo ir para o debate mesmo. Mas é um processo.
Desculpe-me, presidente.
(Orador não identificado manifesta-se fora do microfone: “Qual a perspectiva de aprovação no Congresso Nacional?”)
Importantíssimo.

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento Amauri Soares) – A perspectiva de aprovação no Congresso Nacional no ano pré-eleitoral ou no ano eleitoral?
O SR. ROBERTO GOMES DO NASCIMENTO – Isso, é.
O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento Amauri Soares) – Trinta segundos.

O SR. ROBERTO GOMES DO NASCIMENTO – Você tem razão, eu tinha anotado aqui, mas não abordei.
Isso é o seguinte. Na verdade, o momento é extremamente oportuno nesse aspecto. O Congresso Nacional criou uma Frente Parlamentar Mista, deputados e senadores em defesa da cultura – espontaneamente, não foi por provocação do Ministério. Hoje, tem mais da metade da Câmara dos Deputados aderida a essa Frente, espontaneamente também. A cultura é um tema que consegue, felizmente, transitar suprapartidariamente. Nós conseguimos dialogar com uma série de projetos, de iniciativas, tivemos a aprovação da ampliação da estrutura do Ministério da Cultura, reestruturação do Iphan, criação do Ibram e reestruturação do Palmares em dezembro do ano passado, numa articulação com líderes de partidos dentro da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. E para todo mundo a premissa é: reconhecemos que a cultura está muito aquém do que deveria estar. O entendimento geral foi esse, e a coisa passou. Não houve nenhuma negociata, não houve nada disso.
(Orador não identificado manifesta-se fora do microfone: “Ela está com a entrada por agora?”)
Ela vai entrar no Congresso… A ideia é finalizar agora no mês de junho, no mês de junho a gente estar podendo apresentar ao Congresso Nacional – vai entrar pela Câmara dos Deputados. O Senado já montou um grupo de trabalho dentro da Comissão de Educação, Cultura e Esporte para discutir o projeto antes mesmo de ele chegar – já estão fazendo, eu estive lá na semana passada numa audiência pública.
Então, além dessa pauta existem seis pautas estruturantes para a cultura, este ano, no Congresso Nacional. A PEC 150, que é iniciativa do Congresso, importantíssima, que vincula 2% do orçamento da União para a cultura, com distribuição para Estados e municípios – isso é uma iniciativa do Congresso. É óbvio que o Ministério está apoiando, mas surgiu lá, não foi uma proposta do Executivo. É importante que todo mundo aqui que tenha condição de acessar o site do Congresso Nacional se cadastre e comece a receber informação dessa tramitação.
Tem esse projeto da PEC 150; tem o Vale-Cultura, que nós estamos entrando agora também no Congresso, em substitutivo ao projeto que está lá. Eu nem consegui abordar isso aqui, mas é importantíssimo esse projeto. É o primeiro mecanismo de política pública para consumo cultural. Num primeiro momento, o potencial dele é de R$ 600 milhões por mês para consumo cultural do trabalhador. A exemplo do vale-refeição, o trabalhador vai receber um carnê mensal com R$ 50,00 para consumo cultural: ingressos de cinema, de teatro, compra de livros, de CD, de DVD. Isso tem um potencial de injetar R$ 7,2 bilhões/ano para consumo cultural. Não existe nada similar. E num momento de crise isso desenvolve a economia porque reaquece o consumo, dinamiza, enfim.
Vale-Cultura, PEC 150, Lei Rouanet, Lei do Direito Autoral (a gente está propondo a revisão da Lei do Direito Autoral, ela já está completamente sem sentido graças a todos os avanços tecnológicos que surgiram), Sistema Nacional de Cultura e Plano Nacional de Cultura. Ou seja, são seis projetos estruturantes da cultura no País. É a primeira vez que a gente está tendo a oportunidade de criação de marcos legais que fundamentam a cultura para dez anos, vinte anos – e nós todos precisamos estar participando disso. Quando se coloca que, eventualmente, a prefeitura x ou y ou o governo, o Estado x ou y não está participando, este momento é um momento, como se diz, de discutir a relação mesmo. Vamos parar para uma DR (risos). Vamos discutir a relação porque envolve um reposicionamento geral. Não é só de governo, é da sociedade, dos artistas, dos produtores, o que a gente está querendo para o País e que fundamentos a gente quer deixar para a cultura para as próximas décadas. É um momento de refundação da cultura.
(O senhor Ernani Kurtz manifesta-se fora do microfone: “E o Ecad?”)
Sim, o Ecad, na nossa proposta, será objeto de controle externo – o que não é hoje.
(O senhor Ernani Kurtz manifesta-se fora do microfone: “É um problema muito sério.”)
É, é um problema muito sério.

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento Amauri Soares) – Podemos ir em frente?
Tem aqui o recado do Péricles Prade, dizendo que tem compromisso profissional inadiável e que precisou sair, deixando uma saudação a todos os presentes.
O próximo inscrito é o senhor Leoni Silva. E a gente precisa voltar a insistir para que não passemos das 18h e fiquemos meio sozinhos aqui, nós da mesa, respondendo um para o outro. (Risos.)
O SR. LEONI SILVA – Boa-tarde a todos, sou presidente da Federação Catarinense de Teatro.
A minha pergunta é com relação ao artigo 15, que prevê a transferência de recursos do Fundo Nacional para fundos estaduais e fundos municipais. Em Santa Catarina nós temos 293 municípios, e a gente consegue contar nos dedos os que têm Conselho de Cultura e Fundo Municipal de Cultura. Então, existe um processo…
No inicio da I Conferência Nacional de Cultura, o Ministério fez um pacto com os municípios para que eles criassem conselhos, criassem fundo, e nada disso aconteceu, porque eu acho que aqui isso leva os recursos da cultura para muito mais do que aquilo que o Ministério prevê. Ou seja, o município tem que aplicar na cultura também. E você não sabe como é difícil, nas cidades pequenas, fazer com que o município aplique em cultura. Se a Nação não tem essa dimensão de que é necessário aplicar em cultura, imagine no meu município, Jaraguá do Sul, distante 300 quilômetros da Capital. O prefeito de lá diz: “Ih… Não quero saber de cultura. Quero saber de asfalto e ponto!” Então, nesse sentido, para se ter uma ideia, a gente ficou por cinco anos discutindo a criação do conselho, que foi criado no ano passado no município. Então, essa é uma dificuldade muito grande nos municípios.
E o artigo 15 prevê que vai distribuir condicionado, que o Fundo Nacional vai passar dinheiro para o fundo estadual ou municipal condicionado a que o município tenha conselho e tenha fundo municipal. Isso é muito importante, eu acho que aqui em Santa Catarina 280 municípios não têm. Deve ser por aí, eu não sei esse número, mas é um indicador porque a gente viaja muito pelas cidades aí, e a grande maioria não tem esse indicador. Mas a gente conhece as cidades que o têm, então são muito poucas.
A minha pergunta é: o Ministério está pensando em alguma ação no sentido de educar, de fazer com que os prefeitos criem? Tem alguma ação nesse sentido? Essa é a pergunta. Porque senão nós vamos continuar centralizados da mesma maneira, vamos continuar distribuindo dinheiro do Fundo para Florianópolis, Blumenau, Joinville, Itajaí, para as cidades grandes que, efetivamente, já têm uma política mais avançada de cultura.
E outra pergunta: o Ministério está pensando em alguma coisa na estrutura do próprio Ministério? Meu exemplo é assim: quando a Funarte vai ser a Fundação Nacional de Artes e deixar de ser a Fundação Nacional do Rio de Janeiro ou de São Paulo? (Risos.) Essa é a outra pergunta que vai um pouco além dessa história da Lei Rouanet, abrangendo a estrutura do Ministério. Era isso.
Obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento Amauri Soares) – O próximo inscrito é o senhor Gabriel Siqueira. Com a palavra.
O SR. GABRIEL SIQUEIRA – Boa-tarde, faço parte do Bando Árvore Sagrada. Somos parceiros do Gão, do pessoal do maracatu, outras pressões culturais aqui da Ilha. Praticamos capoeira angola, teatro, dança. Tentamos uma multilinguagem e seguimos o lema do Mestre Pastinha, da capoeira, que é “não perca a sua originalidade”.
Infelizmente, tanto a Lei Rouanet quanto os Pontos de Cultura privilegiam uma pequena parte de grupos que exercem cultura no País, que são os grupos legalmente constituídos. A gente sabe que a originalidade e a criatividade, aqui no nosso país, estão muito mais (como o Gão falou) na miséria e em lugares onde não tem uma institucionalização, onde as pessoas não têm um CNPJ para poder se inscrever nesse tipo de projeto.
Então, a minha pergunta é: tirando a Lei Rouanet, tirando os Pontos de Cultura, o que sobra para nós que estamos tentando criar cultura neste país sem nos institucionalizarmos?
Obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento Amauri Soares) – Com a palavra a senhora Sofia Mafalda.

A SRA. SOFIA MAFALDA – Boa-tarde, secretário; obrigada pela presença, professora, deputado.
Eu acho que a melhor maneira de melhorar as leis é ouvir quem trabalha com elas. A gente tem aqui em Santa Catarina a lei estadual, temos uma lei municipal (que eu acho que não funciona muito), e temos a Lei Rouanet, da qual, na verdade, muitos produtores dependem.
Eu tenho umas perguntas para fazer, e acho que o senhor vai respondê-las depois. No geral, qual seria a principal mudança da Lei Rouanet? Qual seria a principal alteração na lei, para que a gente entenda mais? Será investido mais? Haverá mais participação financeira? Existe algum mecanismo para estimular as empresas a investir em projetos que não tenham os 100% de renúncia?
Outra pergunta: da mesma maneira que existe uma cobrança da sociedade no sentido de fiscalizar a Lei, de cobrar do governo, existe alguma preocupação ou algum mecanismo para fiscalizar os projetos?
A pergunta seguinte seria: essa nova mudança afetará os produtores independentes, as pessoas físicas? Porque a gente vê, hoje, aqui no Estado, que uma das maiores dificuldades são os produtores pessoas físicas, que não têm empresa. No caso da lei estadual aqui, o proponente não pode ser remunerado pelo trabalho que faz. Na Lei Rouanet teria essa mudança também? Afetaria esse caso? Seria isso.
Obrigada. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento Amauri Soares) – Passo a palavra à senhora Christiane Ramirez.

A SRA. CHRISTIANE RAMIREZ – Boa-tarde a todos. Eu sou produtora cultural e gostaria de levantar três questões.
Uma, complementando o que o Roberto Nascimento falou, sobre a questão dos Estados Unidos, que usam a cultura para alavancar o seu PIB. Num seminário em que estive do Brasil-França, em Porto Alegre, há uns quinze dias, houve um painel com Frédéric Martel, um francês que estuda a indústria cultural no mundo. E ele colocou o seguinte ponto, cuja reflexão eu acho bacana para nós que estamos querendo reestruturar a nossa cultura. Ele coloca que a cultura pode ser dividida em dois mundos: os Estados Unidos e o resto do mundo. E essa diferença se dá em função de os Estados Unidos fazerem a cultura e priorizarem a cultura para o seu próprio povo. Ele não se preocupa que os outros conheçam a sua cultura; ele prioriza o seu povo e vende o seu produto – e o seu povo consume o seu produto e o vende também. Toda essa força se dá na comunhão da educação e da cultura, sempre andando juntas.
Então, ele coloca a seguinte questão: que as universidades e as escolas não só investem nas suas criações e nos seus alunos, como assumem os riscos das criações tecnológicas e possibilidades artesanais e culturais, sendo também palcos dessas criações. E algo que foi muito colocado pelo Fred Maia, no Plano Mais Cultura: que a escola seja um palco cultural. E eu acho que cabe a nós, produtores culturais, criarmos essa possibilidade dentro das nossas propostas, dentro dos nossos projetos. E a escola abrir, a Secretaria de Educação, os Ministérios de Educação abrirem, como polo de cultura e de acesso, também, as escolas.
Outro ponto que eu gostaria de colocar é a questão da distribuição das ações culturais. Eu acho que nessa mudança da Lei deveria haver uma obrigatoriedade, na mídia aberta, para que sejam divulgadas as questões tanto dos Pontos de Cultura como dos projetos patrocinados – como um minuto, como em alguns pontos de acessibilidade mesmo, que a grande população brasileira assiste a esses canais. Para que isso seja divulgado realmente, porque o que nós, produtores culturais, discutimos muito, é que ou você tem uma verba muito grande para poder veicular numa Rede Globo, numa RBS, num SBT, ou então a divulgação das ações culturais fica entre os produtores culturais. Entendeu? Porque não tem uma obrigatoriedade… E a grande maioria assiste ao canal aberto e assiste muito pouco às TVs comunitárias, até porque não há uma comunhão. Eu sei que teve a audiência, hoje, sobre isso, mas não há canais abertos, realmente, com programas interessantes, que a população que não é treinada para priorizar a sua cultura, para frequentar museus, que não tem esse hábito… Eu acho que é importante ter essa obrigatoriedade nos canais abertos.
Outra questão que alguns produtores pediram que eu colocasse é que nessa nova proposta da Lei Rouanet se discute nos bastidores que não vai haver mais a figura do captador. Eu mesma, como produtora cultural, costumo apresentar os meus projetos e argumentar diante das empresas. Então, gostaria de saber como vai se dar, nesse novo mecanismo, essa intermediação entre a empresa proponente e as propostas.
Muito obrigada. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento Amauri Soares) – Com a palavra o senhor João Jorge.

O SR. JOÃO JORGE – Com licença, eu vou ler, fiz um texto rapidinho para não me estender, tenho bastante coisa para falar. Vou fazer uma breve introdução para não perdermos muito tempo, e falar diretamente do assunto a ser discutido, que é a reforma da Lei Rouanet.
(Passa a ler.)
Nessa introdução, gostaria de parabenizar os esforços e o crescimento de investimento em cultura e a facilitação do acesso através da Internet ocorridos no governo Lula – e também tenho visto uma sensível melhora no Estado. Temos um grande número de editais e incentivos beneficiando a cultura e a arte. Apesar de ser mais um batalhador desses recursos, enfrentamos enormes dificuldades hoje em dia.
A possibilidade de expressão do homem e o acesso às suas criações são imprescindíveis para a melhoria da humanidade em geral, porque ali estão experiências de vida, sentimentos e pensamentos capazes de preencher, muitas vezes, nossas ânsias, mostrar-nos que não estamos sozinhos e, sim, ligados à história da humanidade. Cabe aqui uma citação de Tarkovsky, cineasta russo: “A poesia é capaz de ir muito além da lógica linear”. Acho interessante essa citação dele, só para fazer uma introdução.
Um dos maiores problemas, hoje, da cultura no Brasil é a fomentação do mercado cultural, ou seja, não ficar só dependendo do dinheiro do governo. Precisamos ter um mercado, de fato, vendável, alguma coisa que gere renda. A gente vive num mundo capitalista e não se pode fugir disso.
A reforma da Lei Rouanet, apesar de ter muitos problemas, está funcionando. Formei-me em Cinema há pouco tempo e está sendo uma batalha me adaptar e trabalhar com isso tudo. Eu vejo com um pouco de receio essa reforma, por estar há tanto tempo aprendendo a trabalhar com uma forma de ganhar dinheiro com a cultura e de sobreviver. E, ao mesmo tempo, a gente tem uma mudança agora.
Eu vejo que o Ministério defende muito essa reforma, argumentando que vai aumentar a participação da empresa privada no incentivo à cultura. Só que eu não vejo, de fato, alguma coisa que fomente o mercado cultural, realmente, nessa reforma. Vai ter a mudança, vai passar o governo e vai decidir os projetos, para onde vai ser… vai passar das empresas para o governo a decisão dos projetos beneficiados e de como eles vão ser beneficiados. Como vão ser, já é assim, mas vai passar agora para o governo essa questão.
Essa é uma das maiores dúvidas que eu tenho quanto a essa reforma hoje em dia. Além disso, ela acabou de citar essa questão de apresentar o projeto, que muitas vezes em um projeto escrito aliado a uma apresentação você consegue mostrar muito mais os seus objetivos e as suas ideias, que a Lei Rouanet permite entre aspas essa distorção (3% dos proponentes terem 50% da verba é um absurdo e não demonstra muito essa democracia).
Mas, independente de qualquer coisa, eu acho que o principal ponto, hoje, a ser atacado na cultura do Brasil é a questão do mercado cultural que a gente não tem. A gente vê até os grandes produtores, as maiores produtoras dependentes só do dinheiro do governo e se conformando com isso, não sentindo a necessidade de fomentar o mercado.
Eu acho que era um pouco dessa questão. Eu queria saber como o governo está pensando, como o Ministério está pensando trabalhar essa questão do mercado cultural e se essa reforma realmente ataca isso. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento Amauri Soares) –Obrigado, João Jorge.
Com a palavra o senhor Murilo Silva.
O SR. MURILO SILVA – Boa-tarde a todos, parabéns ao Ministério, ao esforço de diversas pessoas para trazer aqui um representante do ministro, como o Rafael Pereira Oliveira, o Paludo, aqui, da Comissão de Educação do gabinete do Pedro Uczai, enfim.
Eu queria me ater a dois pontos com relação à lei. Desculpem, não me apresentei, fui assessor de marketing cultural da Fundação Franklin Cascaes de 1993 a 1996. Sou professor de Filosofia e chefe de gabinete do deputado Padre Pedro Baldissera.
O bom da lei é que fortalece o Fundo Nacional de Cultura – eu acho isso importantíssimo. A Lei Rouanet foi importante no momento em que a cultura estava naufragando, foi um bote salva-vidas. Esse bote acabou crescendo muito e tornou-se ingovernável. É importante, sim, agora, para se aplicar política de Estado nós definirmos uma nova lei. Eu entendo até que não é uma reforma (assim eu entendo), mas é uma nova lei. E o objetivo é fortalecer o Fundo.
Eu vejo que o fortalecimento do Fundo casado com a proposta dos fundos setoriais abre um espaço enorme para o exercício da cidadania cultural, porque acima de tudo você está garantindo a expressão da pluralidade, da cultura, e de forma bastante peculiar em cada área – e não privilegiando uma em detrimento de outra, ou se determinada expressão tem mais mercado e outra não, enfim.
Eu, como assessor de marketing na época, carregava essa contradição. Muitos projetos, como o Festival Isnard Azevedo, eram uma folhinha de papel – o prefeito, na época, disse não. Não teve recurso. Nós conseguimos realizar o primeiro e o segundo com dinheiro da iniciativa privada, principalmente. E hoje ele andou e está aí, já está na 17ª edição, eu acho.
Aqui nós temos um problema que diz respeito à lei, e que a Folha de S.Paulo explorou acintosamente. Eu quero saber quais contribuições ocorreram lá atrás. O Ministério fez uma nova redação (até muita gente acabou me cobrando isso, eu trago até em nome dessas pessoas), que é o artigo 49, o uso educacional às obras esgotadas, com relação ao valor comercial. Deixa de ter um valor comercial e passa, então, a integrar o patrimônio da cidade ou do Estado, voltado à educação.
A outra questão é a seguinte: a Marisa (da Gesto) falou aqui, com muita propriedade, a respeito do Conselho Estadual de Cultura – pena que o presidente não está aqui agora, eu acho que ele concorda com essa avaliação de que o Conselho Estadual de Cultura está submetido a uma… ele é subserviente às ações das secretarias regionais. Está lá simplesmente por um enfeite, porque a política cultural não é definida de acordo com os critérios do Conselho, critérios legais, e a gente sabe. Nós vimos diversos absurdos patrocinados com dinheiro nosso e… Enfim, desde filha do governador cantando no palco, sem muito talento (risos), com dinheiro nosso – e foi muito dinheiro. E que critério é esse? Que critério é esse?
Preocupa-me porque a lei prevê a participação do Estado e dos municípios através dos conselhos estaduais e dos conselhos municipais. E aí, quando eu falo em conselho municipal quero lembrar o seguinte: como o Ministério pode interferir (é uma palavra meio forte, os entes da Federação têm autonomia), de que forma ele pode recomendar ou, enfim, dar um puxão de orelha nos governantes que não dão atenção à cultura?
O prefeito Dário Berger recebeu uma comissão expressiva, baseada num documento (essa comissão) de mais de quatrocentas pessoas de muito peso aqui de Florianópolis, pedindo três coisas: que desvinculem a Fundação Franklin Cascaes da Secretaria de Turismo – hoje nós temos Secretaria de Turismo, Esporte e Cultura. O conselho deliberativo é presidido pelo secretário de Turismo; então, nós pedimos a desvinculação do conselho deliberativo da Fundação ao Turismo, e a desvinculação da Fundação Franklin Cascaes, que ele vinculou (parece que eternamente, agora) à Secretaria de Turismo. E a outra é a criação do Conselho Municipal de Cultura. Nós temos um prazo – até final de junho, se não me engano – para criar o Conselho.
E como é que vai ser? Ele nos recebeu no dia 13 de fevereiro, disse que logo após o Carnaval iria me mandar o projeto. Constituiu uma comissão da qual eu, a Marisa, o Amilcar Neves, o professor João Carlos Silveira de Sousa e a professora Rosiléia fizemos parte, elaboramos os anteprojetos e até hoje não foi encaminhado nada à Câmara. Consultei há cinco minutos, agora, no sistema, para ver se estava e não está. Como o Ministério pode interferir nessa questão, uma vez que está prevista lá a participação dos Estados e dos municípios nos seus conselhos?
Obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento Amauri Soares) – Passo a palavra ao senhor Gastão Meirelles.

O SR. GASTÃO MEIRELLES – Boa-tarde a todos, aos telespectadores do Estado todo. Eu sou produtor cultural da Mult Produções e Eventos e faço parte de um grupo de discussão que é a Frente em Defesa da Cultura Catarinense, da qual o Murilo, Marisa e outros colegas participam.
E eu já gostaria de saber quem é de Florianópolis e quem não é, porque não vou ter acesso depois. Quem é de Florianópolis? Quem está atuando em Florianópolis aqui da plateia e quem veio do interior? De Florianópolis, quem é?
(Os participantes da plenária levantam a mão.)
E do interior?
(Os participantes da plenária levantam a mão.)
Tá. Tem presença.
Nós temos essa lista, então quem não tiver o acesso pode (ininteligível) os colegas.
Parabéns pela iniciativa, eu fui um dos que tentou trazer este debate aqui para a Assembleia, parabéns pela participação da TV e da Rádio Alesc. Nós tínhamos uma possibilidade de fazer no CIC, de fazer na Udesc, e tentamos convencer a Assembleia para fazer aqui, para justamente o pessoal do interior ter essa possibilidade. Então, é ótimo que isso tenha acontecido, a gente está bem contente.
Eu vou começar pelo final, já que o Murilo colocou isso. Aqui tem um artigo, um parágrafo, na verdade, de que compete à CNIC… Desculpem, estou sem óculos, perdi os óculos…
(Passa a ler.)
“Os recursos do Profic serão condicionados a projetos culturais que resultem em bens culturais de exibição, utilização e situação pública, vedada a sua destinação”… Seria interessante, pegando já a sugestão do Murilo, que o puxão de orelha do Ministério fosse não só para o governo, mas para a prefeitura. Se não houvesse… A gente sabe que Florianópolis, especificamente, tem um índice de… como é o nome do índice de que vocês estavam falando agora? O índice cultural, né? Tem um índice na lei, a Marisa me corrige, está aí? Existe um índice mínimo cultural, e Florianópolis está abaixo da crítica. Tem um nome que se está dando.

O SR. ROBERTO GOMES DO NASCIMENTO – Na Lei Rouanet?

O SR. GASTÃO MEIRELLES – Alguém está sabendo o nome do índice? Rafael? Ah, tem um índice, daqui a pouco eu falo. Tem um índice que seria o índice cultural da cidade. Então, se aquela cidade não tivesse um determinado índice, que não fossem repassados recursos para a prefeitura, para as fundações. Seria justo. Se a cidade não está fazendo alguma coisa pela sua população, que não fossem transferidos os recursos.
O ministro disse em uma de suas falas, em um desses debates, que não quer ver os órgãos e entidades de prefeituras e governos sobrepondo-se aos pedidos de produtores culturais. Então, se nós aqui em Florianópolis somos uma cidade de funcionários públicos, temos empresas em que o marketing todo está lá em São Paulo ou no Rio de Janeiro, já existe uma concentração dos recursos na Lei Rouanet (sudeste), existe uma concentração de recursos na lei estadual aqui nossa, existe uma concentração tão grande… Como o produtor cultural vai poder competir com uma fundação, com uma prefeitura, com outro instituto de governo que estão colocando também na Lei Rouanet? Então, como seria essa disparidade? Como seria consertado isso? Existe alguma coisa? Essa é uma pergunta.
A outra seria a sugestão de uma pré-justificativa (que eu até estou denominando necessidade). Eu tive um projeto que teve vários orçamentos cortados porque se entendeu que não era pertinente (uma ambientação de um camarote, o Ecad foi cortado e outros itens). Bom, então eles dizem que não é pertinente por alguma coisa e falam que tem que ter recursos próprios. Como é que o produtor cultural de Florianópolis e de outras cidades vai conseguir recursos próprios se as fundações, a lei municipal e a lei estadual estão todas concentradas? Projetos assim inviabilizam. Então, se existem mecanismos para tirar essa concentração. Seria isso.
Obrigado. (Palmas.) [Taquígrafa-revisora: Carla]

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento  Amauri Soares) – Com a palavra o senhor Aldair Carvalho.

O SR. ALDAIR CARVALHO – Boa-tarde a todos.
Eu tinha alguns questionamentos que já foram feitos aqui, inclusive sobre como está tramitando a aprovação dessa lei. Mas já que eu dei o meu nome…
Só queria levantar alguns pontos em relação aos grupos tradicionais, porque muitos deles são obrigados a criar uma instituição para serem proponentes de um projeto. Dou como exemplo o Grupo Catumbi, um grupo tradicional com uma organização tradicional há muito tempo e que precisa de uma entidade para ser proponente desse projeto.
Penso que há algumas saídas. O Ministério tem alguns prêmios que está indicando, e acho isso bastante louvável, mas entendo que deve ser levada um pouco mais adiante essa discussão para que ele seja proponente realmente de outros projetos, levando em consideração a tradicionalidade desses grupos.
Quero elogiar… Eu nunca uso o microfone para elogiar, sempre o uso para criticar1! (Risos.) Mas quero elogiar o Ministério da Cultura e o Iphan pela postura que têm tido em ambos os projetos aqui em Santa Catarina. Salvo alguns casos contraditórios, é bem interessante a postura que o Iphan está tendo. E queria frisar que o Iphan é uma instituição basicamente formada por arquitetos, e hoje nós encontramos outros profissionais trabalhando nessa área. Isso é muito bom para quem lida com patrimônio e material, principalmente.
E já que não vou fugir da minha tradição… É uma pena que a Anita é que está aqui, não é ela que deveria ouvir isso, porque acho que se ela tivesse assumido a Fundação Catarinense de Cultura desde o primeiro ano do governo Luiz Henrique, talvez essa baderna não estivesse montada.
Há pelo menos uma coisa que devemos deixar bem clara: hoje a gente vai à Fundação Catarinense de Cultura e as portas estão abertas. Antes o gabinete vivia fechado, porque acho que o Edson Machado vivia viajando. Infelizmente, vou bater de novo nele, que é o representante de Santa Catarina no Conselho Nacional, porque acho que isso é ridículo, que é uma piada. Mas, enfim, é o governador que quer… Entendo que deveria ser levado em consideração aquilo que eu falei na reunião da semana passada, na qual o Fred estava presente.
O Estado de Santa Catarina tem um fundo que agora, pela obrigação da Justiça, parece que vai começar a executar algumas ações interessantes.  Infelizmente, Santa Catarina tem um caso atípico em relação aos fundos, e talvez isso nem tenha que estar sendo discutido aqui agora, mas este é um dos poucos momentos em que a comunidade cultural acaba se organizando e vindo para discutir. São os encontros que o Ministério da Cultura intermedeia, caso contrário, não há essa discussão. E acho que isso é uma coisa que deve ser levada em consideração.
Nós propusemos isso para a Anita agora no início do ano e vamos começar a organizar, mas é uma discussão que a Fundação tem que ter.   Infelizmente, o Ministério acaba se envolvendo, porque ele está envolvido em alguns projetos, por exemplo, o projeto de Pontos de Cultura. Então, não dá para sair ileso dessa discussão sem tocar nesse ponto.
O Estado de Santa Catarina mantém um fundo, mas o artigo 13 da lei, se não me engano, diz que “é vedada a utilização de recursos do Fundo Nacional de Cultura com despesas de manutenção administrativa do Ministério da Cultura e de suas entidades vinculadas.” Isso não ocorre em Santa Catarina. Não existe essa previsão dentro do Orçamento do governo. A manutenção da Fundação e das casas sai do Fundo de Cultura. Isso é complicadíssimo. São 20%, segundo o secretário nos adiantou, e ele ainda teve a pachorra de dizer que eram “apenas 20%”. Isso é complicado.
Outra grave situação (e volto a dizer, Anita, que não eras tu que deveria estar escutando isso) é a postura que as Secretarias Regionais têm. Então, quando a gente for tratar de alguns projetos ligados ao Ministério da Cultura, deve-se discutir também com a comunidade cultural de Santa Catarina para ver se a postura do Estado é coerente em relação a alguns encaminhamentos que virão para cá. Porque se o Estado for intermediar essa negociação, acho que se deve ter outra conversa com os produtores culturais, com os agentes públicos de cultura dos municípios. Eu sou um agente público de cultura, mas sempre tive um olhar muito atencioso para os produtores culturais independentes, porque sei que a dificuldade é muito maior.
Portanto, essa discussão tem que ser feita, tem que se montar essa discussão, montar um grupo. Nós agora estamos montando, a convite da Fundação Catarinense de Cultura, o Fórum de Dirigentes Culturais. Vamos montar essa instituição e ver como funciona. Já teve um fórum de dirigentes culturais, e há uma série de preocupações, mas acho que a gente pode discutir isso em outros momentos com o grupo dos produtores culturais de Santa Catarina, que está muito organizado. Pena que não estão sendo ouvidos pelo Estado em alguns momentos.
No mais, é só reiterar as perguntas e as colocações.
Eu disse que não ia ser tão educado quanto o meu colega, que falou tudo com uma leveza… Mas eu acho que é mais ou menos isso: retomar essa discussão.
E queria dizer que o Ministério da Cultura realmente tem feito um trabalho interessante de discussão. Algumas coisas adianta dizer, outras não, mas pelo menos a discussão ocorre, coisa que aqui não está acontecendo.
Obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento  Amauri Soares) – Com a palavra o senhor Mário Moita.

O SR. MÁRIO MOITA – Boa-tarde a todos.
Pela minha pronúncia já devem ter percebido que sou de Portugal. Sou um pequeno intruso, estou aqui nesse (ininteligível). Estou numa turnê pelo Brasil, sou pianista e cantor de fados, e quero lhes dizer, como experiência de produção musical da minha produtora em Portugal, que nós trabalhamos com mais de cinquenta países. Estou correndo desde o Japão a Romênia, e há dois anos tive a felicidade de conhecer o Brasil de uma ponta a outra.
Faço feiras pelo mundo todo, e há muitos anos que ouço essa Lei Rouanet ser falada pelos produtores que conheço no Brasil. É por isso que vou parabenizá-los, como vocês dizem aqui,  por essa lei, porque imaginem um país que não tem essa lei. Em Portugal nós vivemos com muito pouco incentivo à cultura – cerca de 2% ou 3% daquilo que vocês tem aqui.
Então, fica só essa mensagem de tentarem viver com esses 2% ou 3% (risos) em relação à grande atividade que o Ministério da Cultura de vocês faz.
Muito obrigado. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento  Amauri Soares) – Temos aqui uma manifestação por escrito do senhor Drauzio Annunciato, que teve que sair. As perguntas são para o senhor Roberto Nascimento, e ele gostaria que fossem lidas, para todos ouvirem. São quatro tópicos: (Passa a ler.)
“1 – Primeiramente, quero lastimar o uso demasiado do tempo para justificar a reforma em detrimento de apresentação e discussão do projeto de lei.
2 – Por que não transformar a renúncia opcional (das empresas) em direcionamento obrigatório de uma fração do Imposto de Renda, com a participação da sociedade, incluindo a iniciativa privada, no direcionamento dos recursos?
3 – Quero reivindicar políticas públicas para a formação artística fundamental. Somente o investimento na educação formará o mercado produtor-consumidor-cultural e de qualidade.
4 – Também quero reivindicar uma nova reforma, uma avaliação nos próximos oito, dez anos.”
Eu queria, e creio que vou ter a generosidade do Roberto e de todos vocês, falar por três minutos, para não ficar só no papel de burocrata, que fica muito chato.

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento  Amauri Soares) – Engravatado atrás da mesa e burocrata! (Risos.)

O que se falou em termos de investimento à cultura aqui na Assembleia Legislativa (se é que dá para dizer isso) nos últimos dois anos e quatro meses foi em relação ao filme “Quebrador de Corações”, que, por certo, muitos de vocês já ouviram falar, até porque eu recebi aqui esse dossiê, podemos dizer assim, por parte do pessoal da cultura de Santa Catarina. É um filme financiado com dinheiro público, não sei de qual fundo exatamente. Não sei de quem veio esse dinheiro, mas com certeza é do povo brasileiro, é nosso, e deveria ser usado para a cultura efetivamente, [mas foi usado] para produzir, construir o trabalho braçal de um filme hollywoodiano, não usando nenhum artista brasileiro, muito menos catarinense, e pior: não usando nenhum cenário catarinense. Foi gravado em fundo azul para depois colocarem o cenário lá nos Estados Unidos.
“Quebrador de Corações”, tradução em português de “Heartbreaker”, é um filme falado em inglês, e pode ser que daqui a dez anos chegue à nossa TV, ao nosso cinema. Foi financiado com um monte de dinheiro público por uma produtora de um jovem empreendedor que tem um nome bastante conhecido: Roberto Carminati. E isso foi o que se falou aqui de investimento em cultura em Santa Catarina, ou seja: uma violência contra a cultura nacional e local, naturalmente.
Estou falando isso inclusive, Roberto, para te dar o direito de resposta. E não vai aqui nenhuma crítica diretamente ao trabalho do Ministério, pelo contrário, há elogios ao trabalho dele e à intenção de mudar, de transformar essa realidade.
Mas eu me coloco do lado do Gão e de outras expressões aqui, como o Gabriel. Trabalhei na agricultura até os 19 anos (fui colono), trabalhei na Polícia Militar até os 40 anos de idade e estou há dois anos e quatro meses deputado estadual. No meu círculo de convivência, não conheço nenhuma pessoa que conseguiu ter financiamento público para desenvolver qualquer projeto artístico, cultural, social etc. Eu não conheço, mas é possível que muitas pessoas aqui conheçam e tenham conseguido.
De certa forma, o que nós, deputados, vemos aqui, porque passamos muitos dias aqui discutindo projetos, artigos, emendas… Cria o fundo esse, desfaz o fundo aquele, transforma o outro fundo. Tem o Fundo Social, motivo de tantos comentários, tantas brigas, e isso às vezes para mim parece ficção. Porque a parcela da sociedade que eu conheço nunca acessa a esses fundos, a essa assistência. O nosso gabinete recebe demandas cotidianas de gente querendo… Muita coisa não tem “serventia”, para usar um termo lá de Imbúia (risos), mas tem coisa aqui que tu vês que o sujeito tem vontade enorme de poder ajudar.
Eu recebi há alguns dias uma carta da professora Tânia Piacentini sobre a Barca do Livro. Eu li a carta inteirinha, e é uma carta extensa. Deputado não lê tudo que recebe, mas aquela eu li, e não respondi porque não sabia o que dizer.
Nós vivemos numa sociedade que quem quer manter o espaço de leitura aberto tem que vender com o pires na mão. Então, a minha grande esperança, Roberto, é que a gente consiga transformar, mudar isso.
Não pude falar com ela, e fiquei feliz porque a conheci hoje pessoalmente, mas não respondi à carta porque não sabia o que dizer. O que vou dizer para essa pessoa?! Só responder assim: infelizmente, essa é a realidade cruel que a gente vive neste país.
(O senhor André Carreira manifesta-se fora do microfone pedindo que se crie um projeto de lei estadual que fomente bibliotecas públicas.)
Bom, eu não quero mais tomar tempo com essa questão, mas, infelizmente, não podemos. Tem que ser de iniciativa do chefe do Poder Executivo qualquer coisa que puxe um centavo para o Poder Executivo gastar. Então, a gente ficaria discutindo aqui na sala ao lado, a sala da Comissão de Constituição e Justiça, se o projeto determina ou autoriza. Se autoriza, quem sabe passa, porque autoriza.
Vive-se aqui aprovando um monte de projetos, mas a maioria desses projetos aqui é para inglês ver, é para ficar bonito: “Olhem, eu apresentei o projeto e ele foi aprovado!” Só que não determina quanto, quem, de onde vem o dinheiro e quem faz. Essa é a realidade.
Nós estamos aqui para discutir, por isso não quero me estender, porque não é essa pauta, mas, infelizmente, as pessoas encaminham a demanda para o deputado porque imaginam que ele tem o poder de resolver, quando ele tem [apenas] o poder de dizer “sim” ou “não” para os projetos que vêm do Executivo no essencial e de debater as questões aqui. Podemos apresentar projetos? Podemos, e a gente tem feito um esforço muito grande aí em vários aspectos, mas também não temos tido êxito na hora de votar ou de ver o projeto executado. Quando se aprova, ele é vetado; se tem algum custo, é vetado.
Então, essa é a realidade aqui. Creio que as pessoas que têm paciência e fastio para acompanhar o dia a dia do processo legislativo têm percebido isso: quando se aprova alguma coisa aqui interessante, tem-se dificuldade, porque o Executivo precisa pensar. Bom, isso é outro debate, desculpem-me por estar entrando nisso, mas por que estou dizendo isso? Porque quero colocar essa questão para o Roberto, para ele respondê-la de forma clara. Porque isso que foi colocado aqui é real. Para o artista cultural conseguir existir neste mundo, tem que quase ser uma empresa que tem uma pessoa só para cuidar do papelório, porque exigem uma quantidade de burocracia… Eu não consigo imaginar um escritor, um poeta, um pintor ou uma pessoa que vive refletindo arte ter que gastar metade do seu dia, todos os dias, para ir ao cartório atrás de carimbo, disso e daquilo.
Então, impõem condições que para a maioria das pessoas isso se torna inacessível. Tem que ser empresa e ter um responsável – e talvez de terno e gravata ele tenha mais acesso, para entrar na mesma brincadeira do Gão – para conseguir encaminhar os projetos, os processos, chegar até lá, voltar e dizer: olha, enfim podemos gastar dez mil reais!
(A senhora Anita Pires manifesta-se fora do microfone: “Deputado, o senhor fala da realidade da Assembleia, não fala de modo geral, não é?”)
Bom, estou falando da sociedade brasileira, catarinense, e não quero dizer que isso aconteça. Como falei, tem muita gente aí que deve ter acesso, que conheça.
(A senhora Anita Pires manifesta-se fora do microfone: “Exatamente, e queria dar uma informação porque acho que é importante…”)
Então vamos fazer o seguinte, professora: eu já encerrei a minha fala, era isso que eu tinha para dizer, essa era a minha avaliação, e coloco mais essa batata-quente aqui para o Roberto, porque creio que ele vai ter a resposta adequada.
Vou passar a palavra para a senhora, que se manifesta e já faz a suas considerações finais, para deixar a última fala para o Roberto. Pode ser assim?

A SRA. ANITA PIRES – Sim, para ele encerrar solenemente.
Para não ficar essa impressão de que as coisas não acontecem e que os gestores públicos, de modo geral, não têm responsabilidade ou privilegiam só a classe média ou a elite, o que muitas vezes é verdade, eu gostaria de lembrar três simples ações culturais de inclusão social que todos nós conhecemos. Uma delas é a Barca do Livro, que vive com recursos do Ministério (da Lei Rouanet) e do Fundo de Cultura – inclusive, no mês passado passamos R$ 150 mil para eles. Outra é a Orquestra das Comunidades, uma orquestra composta por crianças e jovens das comunidades de periferia, das favelas de Florianópolis. E outra são dois projetos do padre Vilson: um também da Lei Rouanet, do governo federal e do Fundo de Cultura e outro que atende 1.500 jovens em fase de risco e é feito com dinheiro do governo federal, do Ministério da Justiça, da Lei Rouanet e com recursos do governo do Estado.  Só aqui, correndo, eu me lembrei desses projetos.
Então, realmente, talvez o que esteja faltando tanto para o Ministério como para o governo do Estado seja uma divulgação mais efetiva de tudo que acontece. Porque às vezes há preocupação em ressaltar o que não acontece ou o que acontece de forma negativa.
Também queria colocar que o Murilo fez uma acusação aqui que achei extremamente grave quando disse que o Fundo de Cultura teria financiado uma turnê da filha do governador. Eu já estranhei, porque conheço o governador há trinta anos e acho que ele não seria burro de fazer isso, seria ignorância. E, nesse meio tempo, vocês viram que eu atendi o telefone,  para me informar, e  em todo o sistema de cultura, que está on-line, nunca existiu isso. Ela fez uma turnê em Santa Catarina patrocinada por uma cervejaria.
O que eu quero colocar aqui, além de restabelecer a verdade, é que quando formos fazer afirmações, que elas sejam baseadas na verdade. Se o Murilo tem alguma informação que não seja essa que eu falei, gostaria que ele a desse por escrito e provasse.
[O senhor Murilo manifesta-se fora do microfone: “Não falei que era do Fundo, falei que o Conselho Estadual de Cultura teve que avalisar (ininteligível)”]  (Houve sobreposição de falas.)
Não, você está enganado. E gostaria que você provasse isso, porque acho muito grave.

(Manifestações simultâneas de Anita e Murilo com sobreposição de falas. Ininteligíveis.)
Você prove, não tem problema. Porque é muito fácil; a gente vê que as pessoas jogam assim e pronto. Então, é importante que a verdade seja restabelecida. E se for verdade, gostaria de receber pessoalmente, porque serei a primeira a cobrar.
(O senhor Murilo manifesta-se fora do microfone: “Não falei Fundo!)
Você falou dinheiro público!
(O senhor Murilo manifesta-se fora do microfone: ”Está gravado.”)
Você falou dinheiro público, e não é o caso, não foi dinheiro público, foi dinheiro privado. Agora, se for dinheiro público, eu gostaria de ser a primeira a receber, porque eu irei cobrar. Como eu conheço ele [o governador], acharia muito estranho.

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento  Amauri Soares) – O governador não tem nada com isso.

A SRA. ANITA PIRES – Queria pedir desculpa ao nosso deputado e ao Nascimento [por essa discussão com o Murilo], e gostaria de levantar aqui duas coisas.
Quanto ao Fundo de Cultura daqui, acho que algumas coisas que foram levantadas sobre ele devem subsidiar esta nossa discussão. Houve uma mudança no financiamento do Fundo estadual no ano passado, que era um grande desejo, Nascimento, da classe cultural, em relação à busca do patrocínio. A entidade apresentava um projeto e ia em busca do recurso. Era uma coisa muito desagradável, as pessoas não gostavam, até porque o artista é um criador, nem tem noção desse tipo de coisa.  Aí a gente fez uma mudança na lei via Assembleia Legislativa e o que aconteceu? Na nova lei, não existe mais a publicização da marca das empresas, que antes tinham possibilidade de mostrar a sua marca nos eventos.
Por exemplo, um evento nosso aqui maravilhoso, que é o Festival de Cinema Infantil – que, por sinal, é direcionado às crianças da escola pública e da periferia -, foi buscar patrocínio pelo Fundo e as empresas foram muito claras: “Não tenho mais interesse porque a minha marca não vai aparecer!”
Portanto, só queria levantar isso como uma preocupação. Porque se os empresários de Santa Catarina perderam o interesse pelo Fundo, no caso da Lei Rouanet pode vir a acontecer a mesma coisa. Assim sendo, hoje a gente já está repensando e fazendo um estudo de como deixar que as empresas, quando forem identificadas e exigirem, coloquem a sua marca. Porque é natural, a empresa não vai fazer se ela não tiver visibilidade, não é?
Então, queria deixar isso como contribuição para este debate.
Obrigada, e desculpem-me por esse entrevero, que não é…
(Gão manifesta-se fora do microfone: “A senhora sabe quantas comunidades são atendidas por essa Orquestra?”)
Olha, a gente pode ver como o André, que é o maestro, o organizador disso tudo, o número de crianças. É um número bastante grande.
Nós temos outra iniciativa no interior de São Pedro de Alcântara com crianças de escolas públicas que sequer têm luz em casa e estão lá tocando violino, e isso muda o destino dessas crianças.
Existem muitas iniciativas, mas a gente pode facilmente te passar essa informação. O André pode passar…
(Gão manifesta-se fora do microfone: “Se a senhora puder me receber na sua sala, vai ser muito interessante.”)
Com certeza. Sem problema. Podemos até chamar o André, para estar junto.

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento  Amauri Soares) – Obrigado, professora Anita Pires.
Vamos devolver a palavra ao secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, que vai dar as suas respostas, explicações e fazer as suas considerações finais.
Quanto tempo seria necessário, secretário? Deixamos nos cem? (Risos.)
Não sei, mas de repente vamos deixar passar isso e, como todo mundo viu, eu é que estou mal informado, de fato existem projetos.
Evidentemente que eu estava brincando, sei que existem alguns projetos…

A SRA. ANITA PIRES – Existem bastantes.

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento  Amauri Soares) –  A dificuldade é as pessoas mortais, do povo, sem uma estrutura maior, terem acesso a eles. (Palmas.)
Porque como é que uma pessoa individualmente, que tem um pequeno grupo, que não tem uma estrutura… A minha questão foi no sentido de ter uma resposta de como a gente faz, de como eu oriento as pessoas a fazer, o que eu digo depois para as pessoas que precisam saber como participar.

A SRA. ANITA PIRES – Outra coisa são os editais, tanto no Ministério quanto do governo do Estado.

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento  Amauri Soares) –  Exatamente, a forma de acessar. Essa  é a grande questão, por isso que eu a coloquei aqui.
(Manifestação fora do microfone: “É preocupante que o deputado não saiba!”)
Olha, já tentei, mas não deu certo. E muitas vezes!
Mas vou devolver a palavra para o Roberto, para as considerações finais. Acho que ele vai resolver todos esses problemas e nós vamos sair todos contemplados. (Risos.)

O SR. ROBERTO GOMES DO NASCIMENTO – Eu não acho isso, não. Mas tudo bem, a gente pode tentar! (Ri.)
Isso é curioso. Na verdade, como estamos rodando muito o Brasil e conversando em várias capitais e espaços públicos com agentes de diversas áreas, de diversos segmentos e formação, vemos que é algo recorrente, que é algo assemelhado a uma certa catarse no sentido de podermos nos encontrar, aproveitar o momento e tentar esgotar todos os assuntos num único espaço, num único intervalo de tempo.
Não é possível isso, e acho que isso dialoga com aquela observação que fiz anteriormente, qual seja, que estamos num processo de consolidação de uma cultura democrática. Isso é um processo de aprendizagem, e não se paga da noite para o dia.
Recorrentemente, as pessoas fazem uso da palavra às vezes somente para desabafar, para simplesmente extravasar um grito calado por décadas na garganta, o que é legítimo, tem que ter espaço para isso também. Mas é importante que a gente naturalize esse tipo de evento, de encontro, para que a qualidade na discussão evolua, se aprofunde, saia de caracterizações e vá para encaminhamentos concretos e soluções eventualmente.
Quase tudo que foi dito aqui agora neste último momento tem a ver com isso, inclusive questões mais domésticas – eu me senti meio que convidado para o almoço de domingo. (Risos.) Mas faz parte.
Acho que tem um processo de maturação, de mobilização, enfim, de prática de cidadania que depende de todo mundo. De todo mundo mesmo. O governo federal nunca vai dar conta de toda a demanda do País. E não é o papel dele fazer isso. Existe um pacto federativo, a democracia está institucionalizada no Brasil, e temos que desenvolver as instituições, e não simplesmente negá-las ou reconhecê-las.
Alguém me perguntou o que o Ministério da Cultura pode fazer com relação à pressão sobre gestão municipal e estadual. Nada!  Na democracia, o poder está no voto. É o cidadão que decide isso no seu território. Essa é a regra maior da democracia.
Agora, tem que se fazer uso da cidadania, tem que se praticar a capacidade de diálogo, de acompanhamento e de controle inclusive. O controle social da gestão pública é saudável no ambiente democrático, e pressupõe, sim, acesso à informação, pressupõe, sim, uma prática diária, pressupõe, sim, superar interesses privados em nome de interesses públicos. Isso é recorrente. Infelizmente, no nosso coletivo aqui de cultura também é recorrente que a conversa, que o debate sobre política pública não se sustente até o final, e aí começam a aparecer questões individuais e privadas.
Nós estamos falando de política pública aqui, e acho que temos que ter essa grandeza e essa capacidade de entender, de inclusive oportunizar os momentos. Mas isso tudo é um processo, e acho isso natural. Se estamos discutindo com essa qualidade, acho que é o máximo que podemos fazer neste momento, mas vamos criar condições para que a próxima conversa avance.
O deputado deu uma saída, e com relação ao que cada um pode fazer, vou dar uma sugestão quando ele voltar. Mas não tem pressa, vou falar outras coisas aqui enquanto isso.
A questão colocada pelo Mário Moita, nosso patrício de Portugal, sobre a importância da Lei Rouanet… Eu recebi um comentário muito parecido com o seu do secretário de Cultura da embaixada de Portugal aqui no Brasil. Ele falou assim: “Nossa, mas esse sempre foi o nosso sonho de consumo, e, de repente, vocês estão falando que isso aqui não presta!” (Risos.) Eu disse: não é exatamente isso, prestou, mas, primeiro, não tem nada tão bom que não possa ser melhorado (de largada já tem isso); segundo, foi muito bom, cumpriu um papel, mas está fazendo dezoito anos, está na hora de sair de casa, de se emancipar e coisa e tal e de dialogar de forma mais adequada com a realidade.
Por que estamos pensando que isso não vai ser um impacto do ponto de vista de volume de recursos? Primeiro, o que se coloca é que conseguimos captar R$ 1 bilhão, mas, como eu falei, desse R$ 1 bilhão, R$ 900 milhões é dinheiro público. Nós não precisamos da empresa para colocar R$ 900 milhões no mercado. Isso é utilizado para atrair capital privado para trabalhar em associação com capital público e com recurso público. Mas se todas as empresas forem embora, o que a gente perde são R$ 100 milhões no modelo atual; os R$ 900 milhões continuam sendo dinheiro público e se transformarão em guias de Imposto de Renda, que irão para o Tesouro Nacional.
Quer dizer, qual é a vantagem de ficar se sentindo algo refém? Estava dizendo para alguém, quando estava vindo para cá, que é curioso que em vários lugares a discussão acaba sendo dominada pela subjetividade. O que o Ministério está trazendo são dados objetivos, é muito concreto o que estou mostrando, mas o antagonismo da oposição se baseia no medo, na insegurança: como vai ser depois? Será que não está melhor assim? E quase sempre é o medo de se perder o que não se tem.
Eu não consigo ver sentido nisso; não faz muita lógica. Tudo bem que eu tenha medo de perder o que tenho, mas ter medo de perder o que não tenho, o que nunca consegui alcançar… Então, que mude, que venha o novo, pelo menos vou renovar as minhas esperanças.

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento  Amauri Soares) – Quem sabe, não é?

O SR. ROBERTO GOMES DO NASCIMENTO – Quem sabe. Mas aí, de novo, é o seguinte: não passa a solução… Deputado, sinto muito, não tenho como apresentar todas [as soluções] aqui e resolver todos os problemas.  E isso nunca será feito nem por mim nem por ninguém, nem pelo presidente ou por quem quer que seja, porque isso é um problema da sociedade. Isso pressupõe realmente um grau de maturidade do Estado democrático, de atuação cidadã da sociedade como um todo.
Hoje o Fundo Nacional de Cultura, por exemplo, não pode (é vedado pela lei) fazer transferência para outros fundos. Isso não está permitido na legislação atual. Nós estamos incluindo essa possibilidade desde que exista um Conselho de Cultura no município ou no Estado constituído com uma composição, no mínimo, paritária. Isso também é termo de lei. Se vai funcionar, André ou quem  quer que tenha dúvida sobre isso, vai depender da realidade local, da capacidade de mobilização e de controle social sobre a gestão desse Conselho. Agora, é um modelo que, em princípio, me parece no mínimo aceitável, porque é razoável que a sociedade participe sobre a definição da destinação desses recursos.
Não dá, por outro lado, imaginar que seja possível se pensar na transferência de recursos para municípios onde nem sequer haja um Fundo de Cultura. Esse dinheiro não vai ser usado na cultura, não tenho dúvida disso. Sei de alguns casos – e até meio lendários, não sei nem se são verdade – de dinheiro da saúde que foi utilizado para construir ponte, que depois virou cartão postal, para poder justificar o acesso aos hospitais do outro lado do lago. Ou seja, era um dinheiro da saúde que foi usado para construir ponte. Será que numa dessa não se constrói passarelas ou coisa desse tipo para poder dar acesso ao teatro ou ao centro cultural que está do outro lado da rua? Faz sentido isso? Não, e a sociedade é que tem que decidir, até porque isso dialoga inclusive com o plano diretor do município.
A gente tem que parar com essa coisa de certa improvisação na definição, destinação e aplicação de recursos no local. Isso é muito sensível. Eventualmente se coloca uma praça onde não se quer, se coloca uma escola ou um hospital onde não se precisa. Não dá mais para a gente ficar gastando munição. Não somos o que gostaríamos de ser efetivamente, porque gostaríamos que não tivéssemos problema de orçamento, que tudo pudesse ser gasto da forma que não precisasse controle.
Os recursos são limitados, são escassos, a demanda é muito grande, há uma legião de excluídos, e, por conta dessa consciência, há uma série de esforços em vários níveis: ONGs, sociedade organizada, prefeituras, governos estaduais, governo federal. O Brasil está passando por uma transformação visível, sensível, não só para nós, mas principalmente para os estrangeiros – talvez o Mário possa me confirmar isso.
O que acontece é que nesse processo de mudança, as políticas sociais ganharam um protagonismo diferenciado em relação às últimas décadas, e isso provoca um movimento de empoderamento financeiro muito grande. No ano passado tivemos essa confirmação, essa informação oficial de que dezenas de milhões de brasileiros saíram da linha de pobreza e entraram para o mercado consumidor, em função de um conjunto de iniciativas: Bolsa Família, ações locais, trabalhos de ONGs, de alfabetização, enfim, houve todo um esforço do Estado e da sociedade como um todo para poder concorrer para esse quadro.
Porém, o que está acontecendo? A mesma pesquisa revela que esse contingente de dezenas de milhões de brasileiros que entrou no mercado consumidor, que entrou para a classe média, não se reconhece como classe média. E a pergunta é: por que não? Porque eles não têm um padrão de classe média. Ou seja, em última análise, eles não têm uma cultura de classe média, de mercado consumidor. São brasileiros engrossando uma casta de consumidores sem sequer ter tido… Ou seja, eles tiveram uma agregação de capital financeiro mas sem a correspondente agregação de capital simbólico. Vão poder comprar, mas não sabem o que comprar nem com que qualidade; não têm senso estético, não têm capacidade crítica e não têm formação cultural.
Ou seja, que sociedade estamos construindo? O que a gente está fazendo com o Brasil do futuro? Acho que essa é a grande discussão, e isso envolve e responsabiliza todos que estão aqui e os que não estão aqui também neste momento. E falo isso como governo e como cidadão.
Deputado Amauri Soares, o senhor estava fora, e eu colocava que todos nós devemos fazer esforços nesse sentido. Entendo a sua limitação, ela é real, mas, a exemplo do que aconteceu no próprio Congresso Nacional, por que o senhor não capitaneia aqui a criação de uma frente parlamentar em defesa da cultura em Santa Catarina? Pode contar com o Ministério da Cultura, no que a gente puder ser útil, a gente vem aqui e auxilia nesse sentido. (Palmas.)
(O senhor Gabriel manifesta-se fora do microfone dizendo que não é índice técnico, que o índice vai ser criado ainda, acrescentando que o Ipea fez um levantamento e viu que Florianópolis está lá embaixo.)
Eu acho que o primeiro sintoma da cura é você poder reconhecer a doença. Nós estamos discutindo aqui agora os sintomas da doença porque existem condições para isso. A gente antes nem sequer tinha dados para identificar essa questão, agora as coisas estão aparecendo e a gente está sabendo qual é o tamanho da encrenca, do desafio que se tem pela frente. E somente a partir dessa forma de diálogo, de construção de entendimento é que as soluções efetivas, consistentes, duradouras e sustentáveis se realizarão.
Em relação à questão da burocracia que foi colocada aqui, o governo federal é burocrático, o governo estadual é burocrático e o municipal também. Eu desconheço, Gabriel, a possibilidade de transferência de recurso público para alguém que nem sequer tenha, no mínimo, um CPF.
(O senhor Gabriel manifesta-se fora do microfone. Inaudível.)
Não, mas o CPF é possível, a gente faz. O Ministério da Cultura transfere. Nós temos editais.
(O senhor Gabriel manifesta-se fora do microfone: “O acesso é menor.”)
Sim, mas mesmo na renúncia fiscal, quem tem CNPJ tem uma limitação de valor. Você quer que a gente transfira uma bolada para qualquer pessoa…
(Manifestações fora do microfone. Inaudíveis.)
Eu acho que vale a pena uma consulta ao site do Ministério sobre o que já existe de edital  disponível para pessoa física. Na minha secretaria mesmo a gente tem um edital que é mensal para emissão de passagem aérea, para participar de eventos, de cursos. E é transferido para a conta bancária da pessoa.  É ela quem compra a passagem, e tem que prestar contas disso depois. Mas não tem muita burocracia.
Há cerca de dois anos, se não em engano, o Ministério da Cultura fez um acordo de cooperação técnica com a CGU (Controladoria-Geral da União), que é o órgão interno que controla a lisura de processos, a correção de instrução e coisa e tal, para quê? Nós nos oferecemos como boi de piranha, como piloto de um projeto de desburocratização do governo federal. Então, o esforço e a orientação de buscar caminhos menos burocratizados e mais simplificados de dialogar com a demanda estão colocados, mas, como citei o exemplo aqui, mesmo para um pesquisador, para um estudante universitário que quer acesso a uma bolsa, tem uma burocracia a ser percorrida. Inclusive o projeto dele não é só enquadrado em x ou y, é analisada tecnicamente a qualidade para saber se aquela linha de pesquisa interessa ou não, se a qualidade do projeto dele interessa ser objeto de apoio com recurso público ou não.  É isso que a gente está defendendo para a cultura também. Além de criar um padrão de qualidade e institucionalidade diferenciado.
Enfim, sei que não vou conseguir esgotar tudo o que foi dito aqui, até porque já me disseram que eu só tenho cinco minutos, mas há algumas questões que, parece-me, foram colocadas aqui equivocadamente, como a autorização do uso ou da quebra editorial, como foi colocado no projeto que o Murilo abordou, que foi inserido no nosso projeto de lei para consulta pública. Houve um erro naquela redação, e reconhecemos isso publicamente. Isso será alterado, mas o conceito não será mudado. Se houve financiamento com recurso público para a produção de uma obra ou de um produto cultural e coisa e tal, o governo federal, assim como o patrocinador hoje o faz e esgotada a exploração comercial daquele produto, terá autorização de uso para fins institucionais e educacionais.
Não faz sentido limitar o acesso, o retorno à população… E aí isso já dialoga um pouco com o que o André estava colocando: uma certa exigência em relação à democratização de acesso. O problema, André, é que quando você tem quase que exclusivamente um único mecanismo financiando cultura, ele vai ter que se comportar como todos os outros deveriam. Isso está errado, realmente.  Mas já que está todo mundo indo para ali, que se  fundamente então, no mínimo, o investimento de recurso público.
Agora, parece-me razoável que exista um contingente de ações que não necessariamente vão ter que oferecer democratização de acesso, mas também vão ter um financiamento retornável, reembolsável. Enfim, alguma coisa vai ter que ser desenhada numa lógica de financiamento de algo que é autossustentável.
Agora, se você está financiando com recurso público… Inclusive, esse é outro problema que acontece hoje.  A gente divulga anualmente “Bateu recorde na Lei Rouanet, foi mais um milhão”, e o cidadão comum não tem a menor ideia por onde anda esse recurso, porque sequer é devidamente comunicado que aquele evento está acontecendo com recurso público e que, no mínimo, ele pode esperar uma facilidade de acesso àquele serviço ou àquele produto cultural.
Se tem dinheiro público (e isso vale para qualquer setorial), também tem que ter vantagem para o contribuinte, do contrário, é explicitamente subsídio à atividade econômica. Inclusive, o Brasil é signatário de acordos internacionais pelos quais isso não deve ser praticado.
(O senhor André manifesta-se fora do microfone abordando a imagem do governo e o uso da propriedade pública.)
Olha, isso é feito com dinheiro público pelas empresas privadas hoje.
(O senhor André manifesta-se fora do microfone: “Eu não estou defendendo elas.”
Tudo bem, e eu discordo, mas a gente não tem muito tempo para avançar nessa discussão. Discordo desse entendimento, acho que em qualquer governo, em qualquer época, se isso em algum momento foi pago com recurso público, o Ministério da Cultura vai poder dizer: olha, o Ministério da Cultura contribuiu para a realização dessa obra. Isso é um fim institucional e foi muito comunicado.
(O senhor André manifesta-se fora do microfone. Inaudível.)
Exatamente. Mas isso pode ser usado em vídeo institucional, em alguma coisa nesse sentido.
Outra questão diz respeito à transferência de decisão de sair da empresa e ir para o governo. Isso também surgiu na mídia, e foi o João Jorge que colocou essa questão. Não muda nada na lógica de decisão, o que muda é a qualidade dos projetos que serão disponibilizados para apoio de recursos incentivados e o percentual a eles associados para que se agregue mais recurso privado ao recurso público disponibilizado.
Bom, no mais, o fomento ao mercado está colocado, sim – acho que foi o João Jorge que abordou isso também. Sugiro que leia com mais atenção o projeto de lei, que ali coloca claramente mecanismos de fomento, de alavancagem de mercados. Ao mesmo tempo, o Ministério trabalha já há algum tempo com o desenvolvimento de produtos de crédito e microcrédito. Estamos já com cinco bancos oficiais com crédito e microcrédito para a cultura: Caixa Econômica, Banco do Brasil, BNDES, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia. Os cinco já têm produtos de crédito e microcrédito customizados para a cultura, e estamos avançando mais nisso.
Enfim, já passei do tempo, e peço desculpas se fui enfadonho. Espero ter sido útil, e me coloco à disposição para voltar a qualquer momento, inclusive para a primeira reunião da frente parlamentar em defesa da cultura do Estado de Santa Catarina. (Palmas.)

O SR. PRESIDENTE (deputado Sargento  Amauri Soares) – Queria agradecer e dizer que de forma alguma o senhor foi enfadonho ou deixou de ser útil. Acho que foi muito útil em todo o debate, em todas as contribuições.
Agradeço a contribuição de todos e todas, em especial à professora Anita, por ter permanecido aqui até o final.
Gostaria de registrar que a minha fala meio informal e talvez um pouco provocativa não tinha a intenção de ser nesse sentido, mas no sentido de dizer que é preciso ter uma organização da demanda e alguma estrutura de informação para poder viabilizar os projetos, porque isso, infelizmente, não está acessível à maioria das pessoas interessadas no assunto. Foi só nesse sentido, e foi uma fala atemporal inclusive, pois está fora da conjuntura essa constatação.
Creio que todos estão contemplados com o debate realizado aqui.  Temos um processo que precisa avançar, que não se resolve hoje.
Quero parabenizar todos os organizadores desta audiência pública. Eu queria vir apenas como participante, mas assumi a tarefa hoje de manhã de contribuir aqui na coordenação.
Parabenizo, ainda, todas as pessoas que trabalharam no sentido de informar e mobilizar as pessoas para esta audiência pública, bem como o MinC e todos os seus servidores, que estão aqui já há algum tempo – alguns estão aqui desde ontem trabalhando para realizar esta audiência pública.
Nós vamos, sim, construir a frente parlamentar, e precisamos contar, evidentemente, com a força da sociedade, dos interessados, para que esse debate possa de fato crescer, prosperar. E precisamos organizar essa demanda em Santa Catarina, para que a gente possa crescer também nesse aspecto.
Geralmente a gente traz tarefas, mas hoje estamos levando uma, de forma que também é produtivo, que também é bom.
Muito obrigado pela presença de todos.
Está encerrada esta audiência pública. [Taquígrafa-revisora: Margareth]