Primavera Mexicana

O termo “Primavera” foi inspirado na Primavera Árabe porque tal qual nos países árabes, a insatisfação dos cidadãos mexicanos gerou uma onda de manifestações populares.
Porém as causas e os efeitos foram muito diferentes. No México, o estopim foi o descontentamento generalizado com uma eleição presidencial.
Por 70 anos, de 1930 a 2000, o PRI (Partido Revolucionário Institucional) governou o México.
O período foi caracterizado pela abertura desproporcional ao investimento estrangeiro através de acordos como o NAFTA. Esta abertura proporcionou a privatização das telefônicas, ferrovias, setor de mineração e precarizou o trabalho, com o aumento do comércio informal.
O resultado destes fatores foi o aumento da migração e o tráfico de drogas. O desrespeito à cultura indígena, o baixo índice de desenvolvimento humano e a exploração desmesurada do meio ambiente como efeitos negativos do NAFTA, também são apontados por analistas.
Em 2000 chegou ao poder o PAN (Partido de Ação Nacional), que foi eleito com votos de protesto e vontade urgente de mudança. Porém o desejo de novos rumos não se refletiu nos 12 anos seguintes e a violência decorrente do narcotráfico resultou em milhares de assassinatos e desaparecimentos dentro do país.
A “Guerra às Drogas” do governo mexicano apenas somava mais mortos às estatísticas.
A mídia, por sua vez, teve papel colaborativo no clima de terror e constrangimento publicando fotos de corpos desmembrados nas primeiras páginas de jornais de grande circulação, em sinal de ameaça.
Laura Citlali, militante da mídia livre, feminista e participante do #YoSoy132 declara: “Os noticiários tratam a situação como se fosse somente o bem e o mal em um filme. Em certos casos, culpam as famílias por não cuidarem bem de seus filhos, obviamente jamais mencionando as negociações diretas entre governo e crime organizado, que operam impunemente até hoje”.
Em entrevista para o Pontão Ganesha, Laura falou sobre a mídia no México, o #YoSoy132, e explicou a ligação entre o crescimento do movimento feminista e as redes sociais.
Agência Ganesha – Laura, como foi o surgimento do #YoSoy132?
Laura Citlali – No México há duas estações de tevê, a Televisa e a TV Azteca e elas têm se dedicado a maquiar toda a violência e levantes insurgentes, como o dos Zapatistas.
A televisão desempenha um papel importante na vida do país, e nas eleições de 2012 foram pagas enormes somas para publicizar o candidato do PRI, Enrique Peña Nieto.
Até mesmo o casamento de Enrique Peña com uma atriz de novela foi ao ar como um “casamento real”, com Peña no papel de príncipe e promovendo até fã clube, como de um galã de telenovela. Uma zombaria com a inteligência mexicana.
Dentro do contexto vigente de manipulação midiática e impunidade, surge na Universidade Ibero-americana um grupo de estudantes protestando pelo caso Atenco, onde dois jovens foram mortos e 26 mulheres foram estupradas em uma operação da Polícia Federal mal sucedida para restaurar a ordem. Estes jovens repreenderam o então candidato presidencial do PRI, Enrique Peña Nieto, que, em resposta, disse que a força era necessária para trazer ordem ao Estado do México do qual ele era governador na época.
Ao sair do auditório, uma multidão gritava palavras de ordem e o chamava de assassino.
Os meios de comunicação não cobriram completamente o fato e até mesmo mentiram, dizendo que o candidato tinha emergido vitorioso da universidade e que foi boicotado.
Há depoimentos em vídeo do candidato e do então presidente do partido PRI, dizendo que os protestos na Universidade Ibero-Americana não foram legítimos e que foram pagos pelo partido de “esquerda”, o PRD.
Então, em 14 de maio de 2012, os alunos fizeram um vídeo desmentindo o anterior e mostrando suas carteirinhas da faculdade, reiterando a participação no protesto e afirmando que não foram pagos por ninguém. Posteriormente ao vídeo se lançou uma convocação para que outras universidades aderissem à causa de desmentir os meios de comunicação e alertar as pessoas sobre o retorno do PRI à presidência com Peña Nieto.
Sob o slogan de “não a manipulação da mídia, e não a imposição de qualquer candidato” surgiu o #YoSoy132, um movimento que começou com estudantes de universidades públicas e privadas na Cidade do México, mas acabou sendo apoiado em 50 países e por pessoas de todas as idades. Os princípios básicos são horizontais e apartidários.
O movimento #YoSoy132 fez várias marchas pacíficas e atividades culturais que uniam as pessoas contra a eleição do candidato Peña Nieto para Presidente, porém, sobretudo era um convite para que os mexicanos não se deixassem manipular pela mídia, para que a população ficasse sabendo o que estava acontecendo nos partidos e mostrar como os políticos enriqueciam às custas de desvio de recursos. Também foi realizado um debate entre os candidatos e várias assembleias com a juventude em todos os estados da República Mexicana.
Agência Ganesha – O #YoSoy132 conseguiu o que queria?
Laura Citlali – Em Guadalajara, onde eu vivo, diversas ações de protesto, como passeatas e atividades culturais, foram organizados. Conseguimos levantar um grande acampamento em diferentes lugares do país.
Inclusive na Cidade do México, houve um encontro chamado Acampamento Revolução que foi apoiado pela sociedade civil e todos os dias novas pessoas queriam juntar-se ao movimento.
O objetivo do # YoSoy132 não foi alcançado totalmente, mas foi reconhecido como um movimento de oposição para que se continuasse a denunciar irregularidades no período eleitoral, como compra de votos em massa por até 500 pesos, pagamentos de despesas em troca de votos, e a cooptação de sindicatos. Em 1º de dezembro de 2012 houve uma marcha em protesto pelo candidato imposto. Com uma forte repressão na Cidade do México e Guadalajara, várias pessoas foram presas e manifestantes foram agredidos.
Vale ressaltar que o Zócalo (também conhecido como Praça da Constituição) agora é um espaço ocupado pela polícia que o guarda dia e noite para impedir manifestações na área.
Atualmente, a organização é orgânica e o #YoSoy132 depende do tempo que temos para organizar atos contra a manipulação da mídia que emana do duopólio televisivo. É um movimento que vive em redes sociais, que produz vídeos, tem contas de Twitter e Facebook, blogs e atividades que demonstram o mau governo.
Em resumo, a Primavera Mexicana, em comparação com outros países, não gerou qualquer revolução ou mudança estrutural, o que houve foi um despertar da sociedade com o que foi mostrado pelo #YoSoy132, particularmente dos jovens e, especialmente, uma consciência de luta social que provocou o surgimento de alternativas para o sistema.
Uma vez tendo despertado as coisas não voltam a ser iguais, cria-se uma base e uma organização que amadurece ao longo do tempo. As amizades feitas na luta vão para a vida cotidiana e nasce um forte apoio baseado na confiança e preocupação de investigar o porquê da injustiça social.
Agência Ganesha – Qual o papel da internet e das mídias sociais nos novos movimentos populares do México?
Laura Citlali – O movimento #YoSoy132 surgiu a partir de um vídeo que se tornou viral na Internet. Também houveram as convocações para passeatas e eventos culturais, principalmente pelo Facebook.
Os integrantes do movimento também saem das redes para trabalhar em conjunto no tempo livre. As férias tem dois longos períodos, em junho e julho, dezembro e janeiro, e esses são os meses mais movimentados.
É uma tendência que mais e mais pessoas estejam na internet e também é fato que no México muitas pessoas não tenham acesso a ela por causa dos altos valores cobrados, e nem todos os restantes fazem uso da rede para a organização de protestos. Contudo, houveram tentativas de silenciar as vozes na internet utilizando dispositivos legais norte-americanos como SOPA ou ACTA, com a bandeira da proteção dos direitos autorais, mas que, na verdade, tentavam abrir um canal direto com a censura.
Também existem os perfis falsos nas mídias sociais, os “Bots” em nosso país, que são pessoas pagas pelos partidos políticos ou empresas. Esses Bots surgiram em 2012 com as eleições presidenciais, a fim de criar contas falsas principalmente no Twitter como um contrapeso para a opinião pública.
Telenovelas e futebol servem como distração para que as pessoas que trabalham o dia inteiro poderem descansar assistindo televisão e para que se conectem à internet para distração.
O bom é que na segunda opção, a internet, existe mais informação independente e sobre todos os meios alternativos que mostram a real situação do país. É fácil criar um programa de rádio pela internet ou ter um blog ou uma página com informações, o que multiplica as opções.
Agência Ganesha – Como é a luta feminista no país?
Laura Citlali – Atualmente o feminismo está emergindo e é graças às redes sociais, que permitem o acesso à informações mais completas. Na Cidade do México existem vários grupos de mulheres feministas, que respondem à cultura machista visualizando a violência contra a mulher. Hoje a violência está institucionalizada na medida em que se culpabiliza as mulheres vítimas de estupro e até de assassinato. No México, há alguns anos, se impulsionou a definição do feminicídio, o que também ajudou a identificar as causas da violência no namoro, e garantir tratamento no Instituto da Mulher e em diversas outras organizações sociais.
Eu, pessoalmente, fazia parte de um coletivo em 2009 com o nome Alísomostodas. Um rapaz assassinou minha amiga Ali, que era sua companheira na época, ele confessou tê-la matado e foi posto na prisão. No entanto, por ser uma mulher a vítima foi constantemente insultada, dizendo que ela tinha um comportamente infiel e imoral, quase a ponto de justificar a violência cometida contra ela. Foi assim que eu percebi o quão horrível é a justiça no México e ingressei no feminismo. Posteriormente tive contato com grupos de lésbicas e mulheres de diferentes idades e profissões na Cidade do México e, recentemente, quando me mudei para Guadalajara entrei para as fileiras do CLADEM Jalisco, que lutam juridicamente pelos direitos das mulheres em nível internacional, desde a América Latina.
Aqui em Guadalajara há diversos grupos feministas, mas eles não são vistos nas ruas, exceto por duas ou três atividades por ano. Já ouvi falar de mulheres agricultoras, embora não tenha tido a oportunidade de conhecer.
Acho que ainda há um longo caminho a percorrer em termos de organização, mas principalmente no que diz respeito às diferentes formas de luta.
Laura Citlali estará presente no 4º Fórum Mundial de Mídia Livre e no Conexões Globais.