Evento em La Paz evidencia papel da sociedade civil na transformação do Estado

Iniciado na sexta-feira (17 de maio), o 1ͦ  Congresso Latinoamericano de Cultura Viva Comunitária, que se encerrou na quarta, dia 22/05,  levou a La Paz, capital da Bolívia, cerca de dois mil participantes de 17 países, que se reuniram com a perspectiva de debater, organizar e dar visibilidade às centenas de iniciativas culturais populares que atuam no continente. Não por acaso, uma das principais bandeiras levantadas durante o evento diz respeito à destinação de 1% do produto Interno bruto de cada país seja destinado à cultura, e que deste montante, 0,1% seja direcionado a programas de incentivo à cultura viva comunitária, numa visão bem mais abrangente do tema.

Toda a programação de abertura foi cercada de simbolismos, que buscavam recontextualizar os assaltos que aconteceram durante a colonização espanhola, quando grupos indígenas de diferentes etnias se reuniram ao redor de La Paz e, aos poucos, retomavam a região em torno da cidade. Para isso, cinco “assaltos poéticos” se sucederam a partir de El Alto – cidade satélite de La Paz -, e simbolizavam a retomada de cinco espaços públicos pela cultura popular boliviana: a “Poética del Sueño” (o sonho que precede a ação), a “Poética de la Rebeldía” (relacionada às mudanças), a “Poética de la Muerte” (que diz respeito à transcedentalidade das ações em vida), a “Poética de la Memoria” (em homenagem aos povos que passaram pela Estação Central de La Paz)  e a “Poética del Cuerpo”, que relembrou a lenda de Tupac Amaru, cujo corpo foi dividido em dois. Com sua reunião, a ideia era simbolizar o fim das divisões que separam o ser humano.

Este último assalto aconteceu na Praça San Francisco, no centro da cidade, e foi um momento de compartilhar ideias, propostas e impressões, através de falas significativas de políticos e gestores ligados à cultura viva comunitária em toda a América Latina. Pelo Brasil, falou Célio Turino, que entre os anos de 2004 e 2010, no governo Lula, ocupou o cargo de Secretário de Cidadania Cultural do Ministério da Cultura, período em que foi criado o Programa Cultura Viva. No Brasil, o programa viabilizou a criação de mais de dois mil pontos de cultura em mais de mil municípios, gerou cerca de 30 mil postos de trabalho e beneficiou aproximadamente oito milhões de pessoas. Trata-se de uma iniciativa a partir da qual a sociedade civil é a primária e principal promotora e mantenedora da cultura local. “Estamos aqui para afirmar uma ideia: a ideia de que a cultura viva comunitária está viva”, afirmou Turino.

OS PRIMEIROS PAINEIS

Nos diversos painéis, manifestações, debates e mesmo encontros informais que colocaram lado a lado gestores, artistas, coletivos e militantes, a essência das conversas girava ao redor das políticas culturais que estão em prática e da necessidade de transformá-las em políticas de Estado, passo fundamental para se garantir sua continuidade, independendo de mudanças na administração pública.

E o tema provou sua capacidade de atração já no primeiro painel, que aconteceu no domingo, 19 de maio. A mesa de debatedores deveria contar com representantes de ministérios da cultura de quatro países além do representante da Bolívia, mas acabou reunindo 19 gestores de cultura, de diversos lugares e instâncias governamentais. O ponto de partida foi o tema “Políticas Culturais Locais, Nacionais, Continentais e de Cultura Viva Comunitária, mas as falas avançaram o que seria óbvio – as manifestações por parte dos gestores a respeito do compromisso de apoio às práticas culturais comunitárias – e colocaram em evidência a necessidade de se estabelecer indicadores que dêem visibilidade ao alcance dessas iniciativas, promovendo uma conversa – e mais do que isso uma adequação das linguagens – entre expressões culturais e Estado.

Na sequência, o segundo painel  – “Por um Parlamento Latinoamericano de Cultura Viva Comunitária” – possibilitou que a discussão avançasse para as propostas e projetos de lei que contemplam o apoio à Cultura Viva Comunitária. Representantes do Peru, Colômbia e do Brasil trocaram experiências sobre a construção participativa de leis e possibilidades de avanços na área, incluída aí a garantia da destinação de 0,1% dos orçamentos governamentais às iniciativas culturais populares.

Esses dois primeiros painéis foram uma pequena amostra das discussões que se sucederam e durante o Congresso, e se por um lado mostraram a disposição do poder público em debater, por outro deixaram ainda mais evidente a transformação que a sociedade civil está promovendo no Estado, confirmando a necessidade do diálogo permanente.

(Texto produzido a partir das anotações da Cobertura Compartilhada do evento. Foto de Michele Torinelli, do Coletivo Soylocoporti)