Desafio em dobro para gamers femininas: Os jogos e o machismo

Quando a competição nos games ultrapassa os campos e as telas

Que brasileiros gostam de jogos, nós sabemos. Que mulheres são uma parcela da população representativa nesta atividade, também não é novidade. Mas o que poucas pessoas sabem é que jogar futebol, uma grande paixão brasileira, foi proibido às mulheres até 1979.

Um decreto de 14 de abril de 1940, dizia no artigo 54 o seguinte: “Às mulheres não se permitirá a prática de esportes incompatíveis com a sua natureza”.


“The Chess Game” (1555), por Sofonisba Anguissola.

A natureza em questão era a de ser mãe. Julgava-se, com base em teorias eugenistas que, na prática de esportes violentos ou de impacto, as mulheres poderiam ter seus órgãos internos prejudicados e impedidos de gerar filhos saudáveis. Também se considerava que as mulheres poderiam ser levadas à depressão ou ao exibicionismo, ao praticar tais esportes.

#GamerGate: Chora recalque

Voltamos ao presente e aterrissamos no mundo dos videogames e dos jogos on-line. Segundo a pesquisa Game Brasil 2016, as mulheres são 52,6% dos jogadores de games no Brasil. Então por que será que pessoas do sexo feminino ainda sofrem discriminação no universo gamer, seja jogando ou desenvolvendo jogos?

Você já ouviu falar em Gamergate?

Vamos aos fatos: Tudo começou quando Zoe Quinn, uma desenvolvedora americana de jogos independentes, foi acusada pelo ex-namorado de ter recebido boas avaliações no jogo Depression Quest, após ter dormido com críticos especializados em games.

A discussão iniciou em torno da ética no jornalismo, com a hashtag #GamerGate no Twitter, mas a conversa acabou se transformando em discurso de ódio contra as mulheres, culminando em ameaças de estupro à desenvolvedora de games Brianna Wu, a jornalista Leigh Alexander, Felicia Day, atriz da série Supernatural e, mais recentemente, à crítica de mídia Anita Sarkeesian, dona do blog Feminist Frequency.

Anita ganhou popularidade ao apresentar uma série de vídeos online sobre a hipersexualização e a falta de protagonismo das mulheres nos games famosos – ou clássicos – com personagens masculinos fortes e mulheres seminuas, com cintura estreita e seios fartos, sendo salvas por eles.

Os cães ladram e a caravana passa.
De fase.

Mesmo no meio de tanta polêmica sobre protagonismo, as catarinenses Lucia Ferreira e Lirous K’yo não largam nem por um decreto a diversão com seus passatempos favoritos.

Entre os games preferidos de Lucia estão LOL (abreviação de League of Legends) Smite e Counter Strike – Global Offensive. Lucia, que hoje tem 18 anos, conta ter sido bastante influenciada pelo pai, que a ensinou a usar computadores desde cedo.

Lirous também começou a jogar videogame na infância, com três anos de idade. A influência partiu da mãe, que viu na brincadeira uma forma de entreter a criança inquieta. “Eu tive uma babá eletrônica, que me acompanhou, e dava mais tranquilidade para a minha mãe”, conta sorrindo.

Passou pelo Atari, pelo Nintendinho, Mega Drive, pelo Super NES, e sempre teve preferência por jogos de terror, RPG, de ambientes obscuros e zumbis, como Resident Evil, e de luta, como Street Fighter e Mortal Kombat. Além destes, ela tem um interesse especial em jogos inspirados nas relações sociais.

“Eu conheci há dois anos um jogo chamado State of Decay, cuja temática é um apocalipse zumbi, só que em vez de você sair matando zumbis, deve ir em busca de comida, arma, suprimentos, materiais de construção, montar acampamento, e uma das coisas que me chamou a atenção foi que eu posso jogar com um NPC, que é um personagem que o próprio computador controla, e se eu o deixo de lado muito tempo, ele pode ficar em depressão, então a visão de cuidado é muito mais ampla do que matar para sobreviver.”


Lirous K’yo pronta para a batalha.

Lirous tem 34 anos e elevou a paixão pelos jogos a outros patamares, além do hobby. Ela tem um canal no youtube, o LirousGames e participa como voluntária da Desdobrando Arte, uma instituição de arte com foco nos jogos eletrônicos, que também oportuniza a artistas produzirem materiais de consumo com as temáticas nerd, como mousepads, camisetas e bottons. Os produtos são expostos nas feiras de anime, de cultura japonesa, e em outros espaços, como a feira Semanal Permanente, realizada no Centro de Florianópolis, aos sábados.