Cópia de disco de Michael Jackson é leiloada por R$ 200 reais

Faltavam menos de 19 minutos para o fechamento do leilão do “vinil pirata” de Michael Jackson à venda no Mercado Livre quando Bruno Gola, 21 anos, deu o lance que definiu a disputa. O programador ofereceu R$ 200 reais e arrematou o disco que trazia na capa assinaturas de personalidades do mundo da cultura livre, entre eles Peter Sunde (Pirate Bay), Elizabeth Stark (Free Culture) e John “Maddog” Hall (Linux Foundation).

Bruno, que mora com um amigo na cidade de São Paulo, disse que compartilha músicas pela web  quase que diariamente, mas ainda não tem toca-discos e que pretende providenciar um em breve. Conta que participou do leilão porque, além de gostar de música, é simpatizante da cultura livre “Comprei pela campanha, pela Free Software Foundation, pelo Partido Pirata e pra contar pros meus netos que um dia eu paguei uma nota num disco que chamavam de pirata”, alfineta.

Ele também é colaborador da FSF. Prova disso é que dias antes do FISL10 o rapaz chegou a abrigar, na própria casa, o rabugento de plantão, Richard Stallman: “É uma honra hospedá-lo, mas não um prazer (risos). Foi tenso. Ainda levei ele para o aeroporto às 6h30 da manhã, puta trânsito, ele não tinha reais e me pediu dinheiro emprestado. Depois fui cobrar dele no FISL e foi difícil fazer ele pagar”, recorda.

O vinil ainda não terá lugar de destaque na casa, talvez um espaço na prateleira de livros ou algum lugar mais visível. O que Bruno sabe é que, mais do que ter adquirido uma cópia de disco com “autógrafos de pessoas relevantes na luta pela liberdade na chamada era digital” como diz o anúncio do leilão, deixou também impressa sua crítica em relação às atuais formas de distribuição e compartilhamento música.

A HISTÓRIA DO VINIL
        Tudo começou numa mesa de bar do Mercado Público Municipal de Porto Alegre. Foi no intervalo da  programação do FISL 10, entre um chopp e a notícia da morte de Michael Jackson, que os amigos e mestrandos da UnB, Rodrigo Canalli (direita da foto) e Paulo Rená, aproveitaram o acontecimento para criar a campanha “Pirateando Jackson/Michael Livre”. A idéia era, por meio de um leilão de um “vinil pirata”, questionar temas como a cópia e a unidade. Para isso, os jovens pensaram em agregar valor ao disco, trazendo assinaturas de personalidades ligadas ao software e cultura livre.
       O leilão começou em R$ 1.  Em menos de duas semanas o disco-cópia de MJ recebeu o lance final de R$ 200. A oportunidade para arremate foi dia 10 de julho, quando a Lei Azeredo (apelidada de AI-5 Digital) completou 10 anos de tramitação no Senado Federal.
        O compacto foi copiado no Brasil e conta com quatro músicas do Michael. Comprado pelos dois pesquisadores em um sebo do próprio mercadão, custou apenas R$ 5 reais (veja vídeo da compra). Eles ainda tiveram gastos com a compra de canetas coloridas.

PODE DAR UM AUTÓGRAFO?

Convencer alguns ícones da cultura livre a assinar a capa do vinil foi a segunda etapa do projeto. Tudo  foi documentado em vídeo para provar a autenticidade das assinaturas e estão disponíveis no You Tube.
Na gravação em que Peter Sunde assina o disco, o sueco deixa claro que cada cópia é única. Paulo Rená, apesar de tirar sarro do comentário de Sunde, tachando como “filosófico”, concorda com o galego e acrescenta um pouco mais: “Nós mesmos somos produtos de uma cópia. Cada pessoa nasce a partir de uma replicação do DNA e RNA e tudo mais. Somos cópias remixadas de nossos pais. E cada indivíduo é único. Ainda que insistamos, por muitas vezes, em nos agrupar em iguais e diferentes”, teoriza.
Jonh “Maddog” Hall, da Linux Foundation, negou assinar por duas vezes mas acabou cedendo.
O barbudo Richard Stallman, da Free Software Foundation, entidade que vai receber cem mangos do leilão, não quis assinar o disco alegando não gostar das músicas de Michael. Mesmo assim a dupla que idealizou a campanha não deixa de admirar o pai do software livre.

LEIA ENTREVISTA COM Paulo Rená e Rodrigo Canalli:

GANESHA: O que vocês acharam do Richard Stallman não assinar o vinil?
CANALLI:  Admiro imensamente o Stallmann, tenho forte afinidade com o seu pensamento e respeito a postura dele de não querer assinar a capa do disco. Ele tem mesmo esse jeitão que algumas pessoas consideram antipático, mas isso não diminui a sua estatura como pensador.

GANESHA: Vocês acreditam que o objetivo real da campanha Pirateando Jackson/Michael Livre foi alcançado?
CANALLI: O objetivo foi buscar canalizar o excesso de ruído midiático criado em torno da exploração do evento trágico de uma forma positiva, chamando atenção para essa questão das cópias, do direito de reprodução. Acho que conseguimos espalhar bastante a mensagem, alcançando pessoas que nunca tinham parado para pensar no assunto. O dinheiro arrecadado sempre foi secundário e fizemos questão de estabelecer, desde o começo, que doarÍamos cada centavo para não cairmos nós mesmos da armadilha de lucrar com o acontecimento.

GANESHA: O que acharam da repercussão?
RENÁ: Repercutiu muito bem. A campanha foi noticiada no Terra, na Folha Online e no InfoPlantão, que são meios de massa cujo conteúdo é replicado por outros veículos. Essas notícias, antes do fechamento do leilão, foram determinantes para o resultado do próprio leilão. Isso, de alguma forma, mostra também o papel da mídia no mundo. Se nenhum jornal tivesse noticiado, provavelmente o preço do leilão teria ficado mais baixo e menos pessoas teriam sido atingidas.

GANESHA: Chegou a sair uma enquete no site do Terra (com mais de 200 votos) que oferecia quatro opções de resposta, sendo que duas delas eram relativas à arrecadação de dinheiro. O que vocês acharam disso?
RENÁ: Eu cheguei a responder a enquete, e achei uma ferramente ótima. Aliás, vou checar aqui o resultado. Foram 205 votos, sendo que 129 pessoas (62,93%) escolheram “bacana, tomara que arrecade bastante”; 29 (14.15%) “acho que não vai render grande coisa”; 26 (12,68%) “não tenho opinião” e 21 (10.24 %) escolheram “legal, vou dar um lance”.
A maioria concordou com nossa proposta e uma minoria pensou em dar um lance no leilão. Considerando os grupos de quem não opinou e quem achou que não rederia – ambos os grupos como sendo quem potencialmente discorda da gente – vemos que menos de um terço das pessoas que votaram discordaram.
Isso permite diversas leituras. Inclusive a de que as pessoas que discordam precisam se sentir mais motivadas a participar do debate.

GANEHSA: Vocês tinham alguma expectativa de valor a ser alcançado no vinil?
RENÁ: Eu realmente queria milhares de reais, mas sabia que para isso a campanha precisava ficar internacional. Acho que isso não conseguimos, mesmo o Peter Sunde tendo twittado o vídeo dos autógrafos. Acho que poderíamos ter tido uma estratégia melhor para essa parte.
Por outro lado, vendemos por 200 um disco que custou 5 e que começou valendo um real; fizemos incontáveis contatos; além da atenção que foi atraída para as causas e que serve de degrau para continuarmos nesse empreitada de “Heal the world and make it a better place for you and for me and the entire human race”.

GANESHA: Por que a idéia de dividir o valor arrecadado para a fundação do Partido Pirata e a outra metade pra a FSF?
CANALLLI: Como eu disse, em primeiro lugar, porque não queria lucrar nenhum centavo com isso. Uma vez que estabelecemos isso, os nomes dessas duas entidades surgiram naturalmente. Tem a ver com o fato de que estávamos em pleno FISL10. E porque acreditamos nas bandeiras levantadas pela FSF e pelos Partidos Piradas do mundo, que embora diferentes entre si, estão ligadas na convicção de que cultura, conhecimento e informação devem ser livres.

GANESHA: Vocês concordam com o Peter Sunde quando ele diz que cada cópia é única?
CANALLI: Na verdade eu acho que a ideia de cópia, como algo finito é que deixou de fazer sentido na era da tecnologia digital e da Internet, quando não mais é possível estabelecer relação entre uma dada unidade de informação e um certo montante de matéria-prima. Isso acabou. Passamos do que Walter Benjamin chamava de era da reprodutibilidade técnica da obra de arte para a era da sua reprodutibilidade ilimitada. Não faz mas sentido basear todo um setor da economia em uma premissa tecnológica superada: a da contagem do número de cópias. Então, concordo com a dimensão em que cada cópia é única, mas ao mesmo tempo, que cada cópia também é nenhuma.

RENÁ: Nós mesmo somos produtos de uma cópia. Cada pessoa nasce a partir de uma replicação do DNA e RNA e tudo mais. Somos cópias remixadas de nossos pais. E cada indivíduo é único. Ainda que insistamos, por muitas vezes, em nos agrupar em iguais e diferentes.

Por: Juliana Bassetti – jornalista do Pontão Ganesha